Enéas Athanázio
HOMENS INVISÍVEIS
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O antropólogo Sydney Possuelo é
dos poucos brasileiros homenageados pela Royal Geographical Society, da
Inglaterra, pela sua luta em defesa dos direitos humanos. Com a aprovação da
rainha, ele recebeu em 2004, em sessão solene, a medalha de ouro com que são
premiadas personalidades de todo o mundo que se destacam em grandes
realizações em benefício dos povos. No caso dele, o prêmio foi conferido em
reconhecimento ao trabalho que desenvolve em defesa dos índios isolados que
vivem na região amazônica, em constante ameaça por parte de grileiros,
madeireiros e garimpeiros ilegais e outros invasores de suas terras. Como
funcionário da FUNAI, cabe-lhe chefiar esse setor, o que exige constante
vigilância em expedições aos locais habitados por esses índios para verificar
se as medidas de proteção estão sendo cumpridas.
Numa dessas
expedições, chefiada por Possuelo, integrou-se o jornalista Leonencio Nossa,
acompanhando do início ao fim a penosa jornada. Como consequência, escreveu o
extraordinário livro “Homens Invisíveis” (Editora Record – 2007), desses que
as livrarias costumam esconder, talvez porque retrate um pedaço do país pelo
qual os brasileiros em geral não têm o menor interesse – de Manaus para cima.
A expedição aconteceu entre junho e setembro de 2002, prolongando-se por quase
quatro meses, ou, mais exatamente, por 105 dias, percorrendo 3743 quilômetros
em barcos motorizados, canoas movidas a remo e andando a pé pelas matas ínvias
da região do Vale do Javari, na fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia.
Integrada por 42 pessoas, algumas temporárias, entre indigenistas, pessoal de
apoio, ribeirinhos, índios matises, mateiros marubos e kanamaris, e
jornalistas, incluindo fotógrafo e repórter, a expedição tinha como objetivo
circundar a área habitada por índios isolados, mais conhecidos como
flecheiros, aos quais foi destinado um território indispensável à sua
sobrevivência e no qual é proibida a presença de não-índios, a extração de
madeiras ou minérios, a caça e a pesca realizadas por estranhos. Esses índios,
em estágio muito primitivo, temem o branco por fundados motivos, são arredios
e desconfiados, e qualquer contato com eles pode ser fatal porque não possuem
a menor resistência às doenças dos brancos. Diante disso, a ordem severa era
circundar e observar, mas sem ingressar no território proibido e, menos ainda,
fazer contato pessoal com os indígenas. Para manter esses propósitos, Possuelo
dirigiu a expedição com mão-de-ferro.
O relato contido no volume é
saboroso, tem o gosto das boas páginas romanescas. Além dos acontecimentos
diários, superando os mais incríveis obstáculos, o autor intercala informações
muito curiosas, antigas e recentes, sobre uma região pouco conhecida e que
aguça o interesse de toda sorte de aventureiros. Mostra ao vivo aquela gente
que vive num passado remoto e que tem sido vítima, ao longo de nossa história,
de violentos ataques de brancos portadores de tecnologias letais. E, por
incrível que pareça, revela o fato acabrunhante de que a escravidão ainda
persiste entre os indígenas e que alguns são submetidos a trabalho servil
pelos kanamaris. Mas o livro retrata, em cores vivas, a natureza exuberante,
os rios imensos, os igarapés, a vegetação variada e intransponível, a riqueza
da fauna, a variedade inacreditável de peixes e insetos, a variação repentina
do clima e, enfim, todo um mundo imenso em estado natural. Em meio a tudo
isso, as crenças e costumes indígenas, as numerosas línguas faladas e a
vigência da lei da selva que, segundo ele, é muito melhor e mais civilizada
que aquela das favelas cariocas, por exemplo. Como resultado, depois de tanto
esforço e trabalho, concluíram com satisfação que o território dos flecheiros
vem sendo respeitado, fato que constitui um alívio nestes tempos de devastação
contínua e impiedosa. Eis, enfim, um livro que merece a atenção dos que se
interessam pelo Brasil.
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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