Enéas Athanázio
O DESTINO DE ANDAR EM CÍRCULOS
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Existem livros
cuja função é iluminar caminhos, às vezes obscuros e vislumbrados de forma
confusa, indicando com segurança o rumo a tomar. É o caso de “Brasil – Síntese
da Evolução Social”, de Aluysio Mendonça Sampaio, que acaba de ser lançado em
segunda edição (JB Literatura Brasileira/Scortecci Editora – S. Paulo – 2004).
Trata-se de acurado ensaio de história social que procura “desvendar as
características fundamentais de nossa formação e desenvolvimento” através de
uma análise científica da realidade nacional lastreada em vasta pesquisa,
realizada ao longo de anos de observações dos atos e fatos que fixaram etapas
de nosso passado e suas conseqüências na vida do país. Em linguagem simples e
direta, debruça-se sobre a história do Brasil, desde a descoberta e as três
décadas iniciais, procurando explicar a formação e as características de nossa
sociedade, suas contradições internas e externas, e as circunstâncias que
conduziram nosso país ao que é hoje.
Mostra o ensaísta que o início de
nossa história se resumiu ao encontro do português com o indígena, colocando
frente a frente duas culturas em estágios muito diferentes: o europeu
civilizado e o silvícola na idade da pedra. Como este nada tinha, na prática,
a oferecer nos escambos, tornou-se ele próprio objeto da cobiça do invasor,
transformando-se em escravo, fornecedor de mão-de-obra barata para as
empreitadas lusas. Sem grande interesse pela nova colônia, os portugueses só
se decidiram a povoá-la ante o risco de perdê-la para os arrojados franceses.
Não dispondo de recursos para tanto, tiveram que apelar à iniciativa privada,
instituindo grandes propriedades territoriais (capitanias e sesmarias). Dessa
forma, conjugando os interesses da coroa com a cobiça dos colonos,
transplantaram para cá um regime fundiário feudal, semelhante ao europeu da
Idade Média, e no qual o donatário detinha quase os mesmos poderes do senhor
feudal. Assim, pelas contingências do momento histórico, a sociedade
brasileira aliou o latifúndio à escravidão, objetivando a exportação. Em
resumo: surgiu uma sociedade feudal-escravocrata do tipo colonial.
Delineiam-se, nesse contexto, a aristocracia rural brasileira, baseada na
propriedade de escravos e da terra, e abaixo dela as demais classes sociais
(sesmeiros, lavradores livres e obrigados, rendeiros, pessoas livres e
semi-livres – os chamados “práticos” ou “curiosos” – e no rés-do-chão os
escravos índios e negros). Com o encarecimento dos escravos, o poder aos
poucos se transferiu para a terra e o latifundiário assumiu o domínio do país,
por si ou pelos prepostos. Seu poder se media pelas áreas que possuía, algumas
tão grandes que se tornavam auto-suficientes. Nessas fazendas só se comprova
sal, ferro e chumbo – jactavam-se os proprietários. Sua influência, em
conseqüência, se estendia pelo país como tentáculos que interferiam na máquina
governamental e na ideologia dominante, forjando inclusive o velho mandonismo
nacional: “Quem chegou a ter títulos de senhor, parece que em todos quer
dependência de servos” – escreveu Antonil. Enquanto volviam os anos, o país
crescia e a população aumentava, o fazendeiro ou senhor de engenho mandava e
desmandava, impedindo a todo custo qualquer alteração da propriedade rural, ao
mesmo tempo em que o trabalho constituía objeto de desprezo pela aristocracia
dominante.
Depois de apontar essas características dominantes, parte o
ensaísta para o exame de nossa evolução social, pari passu com a economia e a
política de cada fase. O trinômio latifúndio-escravatura-colinialismo resiste
às tentativas de modernização, mesmo diante de crises mais e menos graves.
Sobrevêm a trasladação da família real, a abertura dos portos às nações
amigas, a independência, o fim do tráfico negreiro, a abolição, a república, o
tenentismo, a revolução de 1930, as Constituições de 1934, 1937 e 1946, com o
Estado Novo de permeio, o golpe de 1964 e, por fim, a Constituição de 1988.
Nesse longo e sofrido período, plasma-se uma população urbana, surgem as
massas assalariadas, desenvolvem-se as preocupações sociais, nascem a
previdência social e a legislação do trabalho, o país passa de “essencialmente
agrícola” para a industrialização e, no entanto, frustradas as tentativas,
proclamações de ordem constitucional, estatutos, leis e movimentos, a
estrutura fundiária permanece quase a mesma, imutável, intangível, au delá du
bien et du mal, desafiando a imperiosa necessidade de uma profunda reforma
agrária e de políticas sérias para a fixação do homem no campo. Até mesmo a
legislação trabalhista, proclamada como das mais avançadas, se restringe ao
operário urbano, não se atrevendo a tocar nos rurais submetidos ao supremo
poder do latifúndio. Nem o êxodo para as cidades, nem a favelização, nem o
crime organizado, nem a corrupção, nem a fuga da juventude para outros países
– nada parece abalar o latifúndio improdutivo presente em todas as regiões do
país. Foram séculos em que o Brasil pareceu destinado a andar em círculos.
Emergindo a duras penas de duas décadas de autoritarismo explícito, tateia
o país em busca de saídas. Confuso, comete erro sobre erro, frustrando-se as
esperanças uma depois da outra. Nem mesmo o atual governo parece dar à reforma
agrária a prioridade absoluta exigida pelo país, permitindo-lhe, afinal,
encarar o futuro com relativa confiança. Enredado num cipoal que combina
globalização, neoliberalismo, privatização e domínio imperialista, vive o povo
assombrado pelo fantasma do desemprego, asfixiado pelos juros usurários e
temeroso da violência crescente, sem saber como encarar os dias que virão,
mesmo porque, na maioria das vezes, não consegue entender as razões dos males
que o assoberbam. A despeito de tudo, porém, o país tem saída e futuro, desde
que o povo, bem orientado pelos intelectuais e líderes, saiba interpretar o
passado e dele tirar as lições que evitem erros de conseqüências graves e
duradouras. Para isso o livro de Aluysio Mendonça Sampaio é instrumento
indispensável, lançando luzes sobre o que ficou para trás e iluminando os
passos seguintes. Precisa ser lido, relido, discutido e divulgado nas suas
lúcidas lições de Brasil e de brasilidade por todos aqueles que se preocupam
de verdade com nossa terra e nossa gente.
(28 de novembro/2009)
CooJornal no 660
Enéas Athanázio, escritor catarinense, cidadão
honorário do Piauí e.atha@terra.com.br Balneário Camboriú - SC
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
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