12/09/2009
Ano 12 - Número 649
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
A SAGA DE UM CENÁCULO E SEU IDEALIZADOR
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Muitos cenáculos têm existido, no Brasil e no
Exterior, com maior ou menor expressão cultural ou literária.
Historiadores da literatura e enciclopedistas registram a presença dessas
agremiações, algumas delas publicando jornais ou revistas com idêntico
nome e repercussão variável. Entre os cenáculos nacionais, ocorre-me
aquele a que pertenceu Monteiro Lobato, no início do século passado,
designado por alguns como Cenáculo da Paulicéia, e que tinha sua sede no
célebre chalé do Belenzinho que passou à história como Minarete. Dele
faziam parte o próprio Lobato, Godofredo Rangel, Ricardo Gonçalves e José
Antônio Nogueira, para referir apenas os que produziram obras de maior
importância.
Aqui em nosso Estado existe uma dessas entidades que já conta com 27 anos
de incessante atividade e sobre a qual sinto-me devedor de um merecido
comentário. Refiro-me ao “Grupo Literário A Ilha”, idealizado por Luiz
Carlos Amorim e fundado em 1980 na cidade histórica de São Francisco do
Sul. Embora batizado como literário, na verdade o grupo extrapolou seu
próprio nome, tornando-se um agitador cultural com intervenção em vários
campos da cultura. Depois de anos de atividade naquela cidade, transferiu
a sede para Joinville e, por fim, para Florianópolis, de sorte que nasceu
numa ilha e hoje está aninhado em outra.
O BERÇO
Morador de São Francisco do Sul, na época, Amorim se inquietava com a
ausência de companheiros com quem discutir e partilhar seu gosto pela
literatura em geral e pela poesia em particular. Depois de muito pensar no
assunto, saiu a campo para conquistar companheiros que o ajudassem a
realizar o sonho. Não tardou a encontrar uns poucos devotos das letras e
com eles iniciou a agremiação que já dura mais de um quarto de século.
Suas discretas reuniões, mal notadas no início, tinham lugar num vetusto
casarão à beira da Baía da Babitonga, em pracinha arborizada e de bela
vista panorâmica.
A iniciativa encontrou ambiente propício na velha cidade de raízes
plantadas em tempos longínquos e ricos em acontecimentos históricos,
alguns inusitados. Entre estes, merece lembrança especial a visita do
capitão francês Binot Paulmier de Gonneville, há mais de quinhentos anos,
a bordo do navio “L’Espoir”, em 1504. Aportando na ilha e convivendo com
os habitantes da estranha terra, o navegador francês decidiu regressar à
França, depois de reabastecido e concluídos os consertos necessários em
sua embarcação. Levou como convidados um dos filhos do rei Arosca, o jovem
Içá-Mirim, que os franceses registraram como Essomericq, e o índio Namoa,
mais idoso, com a formal promessa de trazê-los de volta. Namoa faleceu em
viagem e Essomericq, muito doente, foi batizado como Binot, tendo
Gonneville como padrinho. Em terras francesas, o índio carijó se adaptou
muito bem, casou e teve quatorze filhos, e até recebeu uma patente, parte
dos bens e o nome de Gonneville, seu fiel protetor. Foi considerado
príncipe e convidado do governo francês, tendo falecido com mais de
noventa anos. A viagem de retorno jamais aconteceu. Considerando-se a data
da abordagem francesa como a de sua fundação, São Francisco do Sul é das
mais antigas cidades do país, embora seja um fato considerado discutível
pelos historiadores.
Mas a cidade onde surgiu o grupo tem muito mais em seu passado que o
curioso episódio. Cumpre lembrar ainda o Falanstério do Saí, na atual Vila
da Glória, situada nos domínios municipais. Em 1842, o médico francês
Benoit Jules Mure, inspirado nas doutrinas de Fourier, tentou ali uma
experiência socialista, dando início ao falanstério, habitação coletiva
que propiciaria aos moradores a justiça social sonhada pelos utopistas.
Depois de marchas e contra-marchas, lutas, desentendimentos e
perseguições, tal como aconteceu com a Colônia Cecília, no vizinho Estado
do Paraná, a experiência fracassou. Foi a única tentativa de criar um
falanstério no Brasil e deixou marcas imorredouras, sendo o local até hoje
objeto da curiosidade dos pesquisadores e turistas.
É interessante também o caso do Canal do Linguado. Em 1934 foi aterrado o
canal em sua totalidade para a passagem da ferrovia, uma vez que o
fechamento parcial apresentava problemas. Se é verdade que a estrada de
ferro trouxe benefícios, também é certo que a obra gerou problemas em
diversas áreas que inquietam os francisquenses e de difícil ou impossível
solução, com graves conseqüências. Mas, como assinalam historiadores, é um
dos raros casos em que uma ilha de grande porte se transformou em
península por obra humana. Até hoje a questão do Linguado é objeto de
infindáveis discussões.
A mais antiga aglomeração humana catarinense tem entre seus filhos muitos
intelectuais, historiadores e artistas, além de preservar um valioso
conjunto arquitetônico e tradições culturais. É servida por importante
porto de mar. A arquitetura, os prédios ilustres, os sambaquis, as artes,
a vida social, as praias, a paisagem e o agradável ambiente urbano são
outros tantos aspectos a considerar.
Nesse meio, agitando o mundo das letras, apareceu o grupo fadado a durar.
O IDEALIZADOR
Luiz Carlos Amorim nasceu na cidade de Corupá (SC). Formou-se pela
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Joinville. Desde cedo revelou
inclinação para as letras e a escrita, rabiscando textos que submetia aos
amigos e, mais tarde, publicava. Alguns temas se tornaram recorrentes em
suas cogitações, como a sobrevivência do livro, sua produção e divulgação,
formas de levá-lo ao público através de feiras, lançamentos e outros
meios, o permanente encantamento com certos aspectos da natureza, como a
paisagem, o verde e as flores, facetas indicadoras do poeta que existe
nele. Tornou-se incansável batalhador da causa do livro.
Publicou até agora 23 livros nos gêneros do conto, da crônica, da poesia e
artigos. Ei-los: “Velhas Histórias Jovens” (contos), “Pedaços” (contos),
“Canção de Amor” (contos), “Vida, Vida” (contos), “Minha Poesia Menina”
(poemas), “Uma Questão de Amor” (poesia), “Canção da Esperança” e “Canção
da Esperança II” (poesia), “A Cor do Sol” (poesia), “The Poet” (poesia
publicada nos Estados Unidos), “The Color of the Sun” (versão americana de
“A Cor do Sol”), “El Color Del Sol” (versão em espanhol publicada na
Espanha), “Meu Pé de Jacatirão” (poemas), “Flecha Dourada” (literatura
infantil), “Emoção não tem Idioma” (edição trilingüe de “A Cor do Sol”),
“Livro, Leitores e Escritores” (crônicas), “Livros: a Perenidade da
Palavra” (crônicas), “Saudades de Quintana” (crônicas), “Nação Poesia”
(antologia poética), “A Luz de seus Olhos” (contos), “Livro de Natal”
(contos, crônicas e poemas de Natal), “Escritores Catarinenses e o Grupo
Literário A Ilha”, “A Primavera sempre volta” (crônicas) e “Borboletas nos
Jacatirões” (crônicas). Tem nova obra no prelo, cujo prefácio tive a
satisfação de escrever. Apesar de seu gosto pela poesia, a prosa acabou
predominando em sua obra publicada.
Como participante de antologias e coletâneas, trabalhos de Amorim
apareceram nas seguintes publicações, entre outras: “Escritores do Brasil”
(RJ), “Selected Writings” (EUA), “Poesia, Lucidez e Fantasia”
(Blumenau-SC), “Poetas Brasileiros de Hoje” (SP), “Um Toque de Poesia”
(Joinville-SC), “Poesia Sertaneja” (Florianópolis-SC), “Poetas da Praça” e
“Poetas da Praça II” (Joinville-SC), “Mar, Poema e Imagem”
(Florianópolis-SC), “Antologia da Nova Poesia Brasileira” (RJ), “Poesia
Viva” (Joinville-SC), “Feira de Contos” (Joinville-SC), “Poetas da Cidade”
(Joinville-SC), “A Nova Poesia do Norte Catarinense” (Joinville-SC), “A
Poesia Catarinense do Século XX” (Joinville-SC), “Fim de Noite”
(Joinville-SC), “Antologia do Postal Clube” (RJ, números 6 e 7), além de
poemas traduzidos e publicados em antologias da Espanha e Inglaterra.
Em periódicos, tem trabalhos publicados na Índia, Rússia, Grécia, Estados
Unidos, Espanha, Portugal, Cuba, Argentina, Uruguai, Inglaterra e Itália.
Trabalhos de sua autoria foram traduzidos para o inglês, espanhol, grego,
russo e bengalês.
Aparecem também com regularidade em jornais e revistas, nacionais e
estrangeiros. É colaborador de diversos portais de cultura e literatura.
Os mais importantes periódicos catarinenses publicam ou publicaram seus
escritos.
Inquieto e persistente, está sempre alargando o leque de suas publicações,
mantendo inclusive extenso intercâmbio com escritores do Brasil e do
Exterior.
Sua dedicação e seu talento têm provocado manifestações de expressivos
nomes de críticos. Entre eles, citam-se Antônio Carlos Villaça, Luiz F.
Rufato, Celestino Sachet, Lauro Junkes, Teresinka Pereira e diversos
escritores.
FUNDADORES E PARTICIPANTES
Nos albores de suas atividades, o grupo contou com a decidida contribuição
de alguns escritores e poetas cujos nomes merecem ser evocados. Antônio
Laércio Brunato, já falecido, José Armando Rezende, bancário carioca,
Maria Teresa dos Santos, Maria C. P. Oliveira, Ricardo Maciel, contistas,
cronistas e poetas, todos de São Francisco do Sul ou que lá se
encontravam; Jurandir Schmidt, Ronaldo Correa, Hilton Gorresen, Else
Sant’Ana Brun, Margarete P. da Silva, todos escritores de Joinville, sendo
o primeiro também artista plástico e autor da capa do número inicial do
suplemento.
Com o tempo outros autores foram se aproximando e se tornaram
colaboradores. Foram os casos de Joel Rogério Furtado, Edltraud Zimmermann
Fonseca e o meu próprio, que passamos a colaborar a partir da terceira
edição. Teresinka Pereira, brasileira radicada nos Estados Unidos, começou
a colaborar na quarta edição; Zoraida H. Guimarães e João Chiarini a
partir da sexta. Maura de Senna Pereira, falecida, Celestino Sachet e Urda
Alice Klueger aderiram antes da décima edição. Muitos e muitos outros
ajudaram a rechear as páginas do suplemento. Acredito que poucos autores
catarinenses, em prosa e verso, estejam ausentes daquelas páginas.
Inúmeros autores, de todos os recantos do país, também vêm colaborando.
Com as transferências da sede para Joinville e depois para Florianópolis
houve grande mutação na lista de colaboradores.
ATIVIDADES E REALIZAÇÕES
A principal realização do grupo foi a criação e manutenção do Suplemento
Literário A Ilha, órgão porta-voz da agremiação, e que conta hoje com mais
de 100 números publicados, fato inédito na história literária do Estado e,
acredito, de muitos outros. Desde que me lembro, foi o único a circular
sem interrupção desde seu lançamento em reunião histórica no vetusto
casarão da Babitonga. O Suplemento mantém um portal lítero-cultural na
Internet: Prosa, Poesia & Cia. –
(http://geocities.yahoo.com.br/prosapoesiaecia).
A par disso, as Edições A Ilha foram semeando livros individuais e obras
coletivas, contando hoje com mais de cinqüenta títulos publicados. Entre
os primeiros, mencionem-se “Velhas Histórias Jovens”, “Pedaços”, “Canção
de Amor”, “Minha Poesia Menina” e “Canção da Esperança”, todos de Luiz
Carlos Amorim; “Falando aos Corações”, de Ema Pidner; “Caminhantes de
Minha Rua”, de Mariana; “Sempre Contigo”, de Rosana Teodoro; “Um Toque de
Poesia”, coletânea de poemas de todos os integrantes; “Poetas da Praça”,
outra antologia. E assim prosseguiram, em sucessivos lançamentos, as
edições que tornaram A Ilha um selo conhecido em todo o Estado e até fora
dele.
Outras atividades aconteceram, sem descurar das constantes reuniões do
grupo com o intuito de mantê-lo coeso. Nessas ocasiões buscavam fórmulas
de divulgação da literatura e do livro para além das tradicionais,
diferentes e inovadoras. Colocando a imaginação a funcionar, buscaram
meios e modos de levar o livro ao povo, exibi-lo em público, mostrá-lo nas
ruas. Passaram a exibir Varais de Poesia e Recitais de Poemas em feiras de
arte, escolas, festas, bancos, lojas e locais de aglomeração humana. O
grupo promoveu incontáveis lançamentos de livros, com sessões de
autógrafos, nos mais variados lugares, tanto de edições próprias como
alheias. Assim aconteceu, por exemplo, em São Francisco do Sul, Joinville,
Jaraguá do Sul, Itajaí, Corupá, Guaramirim, Brusque, Blumenau etc. e até
em Cuba e nos Estados Unidos. Em novembro de 1981, comemorou o Dia do
Escritor Francisquense, reunindo autores daquela cidade, Joinville e
Florianópolis, ocasião em que foi instalada a delegacia da Associação
Catarinense de Escritores (ACES), entidade hoje extinta. Em outra ocasião,
promoveu em Joinville a Noite dos Escritores Catarinenses, com grande
público, quando estiveram presentes escritores da região, além de Abel B.
Pereira, de Florianópolis, Urda Alice Klueger, de Blumenau, e eu próprio.
Assim, com empenho e trabalho, o grupo mostrava ao público a que viera e
prestava contas de suas atividades.
Tive ocasião de participar de lançamentos coletivos por ele promovidos em
São Francisco do Sul, ainda no velho prédio da Babitonga, depois na Casa
de Cultura e no Museu de Arte, ambos de Joinville, sempre com boa presença
de público e cobertura da imprensa.
Muitos lançamentos aconteceram em aberturas de exposições de artes,
durante seminários, encontros e outros eventos de natureza artística e
cultural.
Sempre sob a coordenação de Amorim, o grupo foi pioneiro na instituição do
Projeto Poesia no Shopping, exibindo Varais de Poesia em todos os
shoppings do Estado. Criou também o Projeto Poesia na Rua, exibindo poemas
ou trechos deles em grandes out-doors espalhados pelas cidades, espaços
nunca antes preenchidos pela poesia e provocando intenso efeito. Levou
adiante ainda os projetos Poesia Carimbada, Pacote de Poesia, Poesia na
Escola e O Som da Poesia.
Deste resumo, onde as omissões são inevitáveis, transparece a persistência
do grupo e sua dedicação às letras e à cultura. No correr de 27 anos,
afrontando dificuldades, nunca esmoreceu e nem desistiu de seus
propósitos. Evidencia-se também a liderança de seu idealizador e sua
capacidade de manter unido um grupo de escritores e poetas livres e
independentes, cada qual pensando a seu modo, mas tendo um ideal comum – a
difusão da cultura através de seu principal portador, o livro.
O ESCRITOR
Mesmo com as atribuições de coordenar e organizar, além das atividades de
ordem profissional, Amorim escreve com método e disciplina e produz
bastante. Como dizia Gilberto Amado, é mais um escritor brasileiro que
rouba tempo de si mesmo para escrever.
É contista, cronista, articulista cultural e poeta.
Como contista, tem imaginação e criatividade, produzindo histórias que
agradam e prendem. Sua linguagem é simples, direta e limpa. Expressa com
segurança as idéias e transmite bem o pensamento.
Como cronista, está sempre atento, com as antenas ligadas e prontas a
captar os assuntos cronicáveis, transformando-os em agradáveis peças
literárias. É numerosa sua produção no gênero.
O articulista está sempre preocupado com os temas relacionados à cultura,
aos problemas do livro, à vida dos escritores em geral e dos catarinenses
de forma especial. É incansável divulgador de eventos da área e
freqüentador assíduo de todos eles. Parece ubíquo, tantos são os locais
onde aparece. Também está informado de tudo que ocorre no Estado, cujo
mapa literário e cultural tem impresso na memória.
E o poeta é aberto, livre, sem preocupações angustiantes e linguagem
empolada. Desdobra as sensações de forma direta, sem zigue-zagues,
ressumando sentimentos autênticos e puros. E assim atinge o leitor de
poesia naquilo que ele tem de mais sensível – o sentimento.
Concluindo estas notas, que já vão longas, diria que Luiz Carlos Amorim é
um exemplo de homem comprometido com as letras e a cultura, fiel ao pacto
com elas celebrado de longa data. Tivéssemos muitos deles, as coisas
seriam diferentes. E nem por tudo isso assume poses ou posturas,
conservando o jeitão modesto e simples de sempre, desde quando o conheci.
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Fontes:
“Enciclopédia Brasileira Globo”, P. Alegre, Editora Globo, 12ª. ed., 1971.
“Enciclopédia de Literatura Brasileira”, Afrânio Coutinho e J. Galante de
Sousa, Rio de Janeiro, MEC, 2 vols., 1990.
“Dicionário Literário Brasileiro”, Raimundo de Menezes, S. Paulo/Rio, LTC
Editora, 2ª. ed., 1978.
“Monteiro Lobato – Vida e Obra”, Edgard Cavalheiro, S. Paulo, Editora
Brasiliense, 3ª. ed., s/d.
“São Francisco do Sul – Muito além da viagem de Gonneville”, Sílvio Coelho
dos Santos et alii, Florianópolis, Edufsc, 2004.
“A Literatura Catarinense”, Celestino Sachet, Florianópolis, Editora
Lunardelli. 1985.
Obras de Luiz Carlos Amoim.
Coleção do “Suplemento Literário A Ilha.”
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B. Camboriú, 29 de julho de 2007.
(12 de setembro/2009)
CooJornal no 649
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
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