18/07/2009
Ano 12 - Número 641
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
CONTOS DE HEMINGWAY
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Os contos de Ernest Hemingway estão entre os mais conhecidos e lidos da
moderna literatura e vários deles foram adaptados para o cinema e a
televisão. Como em toda a obra do escritor, neles o diálogo e as frases
curtas são constantes, mesmo porque ele foi um mestre nessa técnica. A
leitura da obra e das múltiplas biografias do escritor acaba revelando que
ela contém muito de memorialista e autobiográfico, como também se observa
nas narrativas curtas. Algumas vezes os fatos da vida do próprio autor são
atribuídos a personagens de sua ficção. Assim, por exemplo, um personagem
afirma que fôra na África “onde se sentira mais feliz nos bons tempos do
seu passado”, enquanto outro recordava a época vivida em Paris, com a
companheira, num apartamento de apenas dois cômodos e nas proximidades do
hotel modesto em que residira o poeta Paul Verlaine. São duas
circunstâncias verdadeiras, registradas pelos biógrafos e por ele próprio,
em livro de memórias.
Não são apenas essas as curiosidades dos contos. Embora o escritor fosse
norte-americano, grande parte de sua obra, talvez a maioria, é ambientada
na Europa e na África, em países como a Itália, a França, o Quênia, Cuba
e, sobretudo, a Espanha. Alguns de seus mais célebres contos transcorrem
em países que não o dele, como “A vida breve e feliz de Francis Macomber”
(África), “A capital do mundo” (Espanha), “As neves do Kilimanjaro”
(África), “Gato na chuva” (Itália), “Os renitentes” (Espanha) etc. Já os
contos “A volta do soldado” e “O meu velho” são puramente autobiográficos,
o primeiro relatando o retorno do próprio autor da guerra e o período em
que ficou sem rumo na vida, como se estivesse ainda perplexo diante do
fato de ter sobrevivido.
Mesmo sendo americano, nascido nas cercanias de Chicago, Hemingway deixa
no leitor a nítida impressão de que não morria de amores pela própria
pátria e não nutria grande simpatia pelos compatriotas, não escapando
sequer as mulheres de seu país. Embora a palavra dos personagens nem
sempre reflita a opinião do autor, é muito significativo o que ele põe na
boca de certas figuras de suas narrativas. Robert Wilson, por exemplo,
caçador profissional, indaga a si próprio: “Como é que se pode descobrir o
que um americano esconde dentro de si?” (“Contos”, Vol. 2, p. 12). Em
seguida: “Aquela cara americana que permaneceria adolescente até quando
chegasse à meia-idade” (p. 13). Mais adiante, observando a mulher de
Macomber: “Agora, porém, ela voltava à arena envolta naquele manto de
crueldade feminina que destaca as mulheres americanas” (p. 15). Em outra
passagem: “Há homens que durante muito tempo não passam de garotos. Alguns
ficam assim a vida inteira, conservando suas caras juvenis até depois dos
cinqüenta. Isso acontece muito com os americanos, que acabam sendo
homens-garotos... Que raio de povo estranho!” (pp. 46 e 47). Em outro
conto, também ambientado na Itália, o personagem se declara alemão, como
se tentasse esconder a nacionalidade americana. Alemão do sul – diz ele
(p. 194).
Seria esse o móvel que impulsionava Hemingway em suas intermináveis e
longas viagens pelo mundo, quase sempre longe dos Estados Unidos? A fuga
cada vez mais freqüente de um meio e um convívio que o desagradavam? Eis
aí indagações que os biógrafos não analisaram mas que seus personagens
deixam entrever.
(18 de julho/2009)
CooJornal no 641
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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