27/06/2009
Ano 12 - Número 638
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
HEMINGWAY EM HAVANA
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A chamada “guerra fria”, de triste
memória, causou alterações até mesmo na biografia de pessoas. A barreira
contra Cuba, para ficar num exemplo, provocou omissões nos relatos sobre a
vida do escritor norte-americano Ernest Hemingway (1899/1961), cujos
biógrafos, em sua maioria, são americanos ou ingleses. Embora o escritor
tenha vivido vinte anos em Cuba, primeiro em hotéis de Havana e depois
numa chácara das proximidades, deixando marcados rastros de sua passagem,
esse longo período de duas décadas costuma ser “esquecido” ou abordado de
forma superficial pelos que têm escrito sobre ele. Sentindo a grave
omissão, o jornalista e professor universitário cubano Ciro Bianchi Ross
tratou de levantar o assunto, pesquisando in loco, visitando lugares,
tomando depoimentos e percorrendo a bibliografia, inclusive a do próprio
escritor, naquilo que se relaciona com sua vida em Havana. O resultado foi
o delicioso livro “Seguindo os passos de Hemingway em Havana”, publicado
por Casa Jorge Editorial (Rio de Janeiro – 1993).
No início, como “turista reincidente”, o escritor costumava passar em
Havana os meses de maio a julho, temporada de pesca do agulhão.
Hospedava-se no “Hotel Ambos Mundos”, num quarto do quinto andar, com o
número 511, mantido até hoje da mesma forma em homenagem ao Velho Hem.
Dali ele avistava o mar e trechos da cidade. Além disso, ficava próximo ao
porto, cujas ruelas, tascas e botecos eram um permanente convite ao boêmio
incurável. Era visto naquelas ruas, conversando, observando, contemplando
o panorama e sentindo seu odor peculiar, detalhes que fixaria depois em
livros. Ali escreveu muito, sentia-se bem e recebia uma legião de amigos.
“O Ambos Mundos, em Havana, foi um bom lugar para trabalhar” – recordaria
em célebre entrevista.
Incomodada com o assédio dos leitores e amigos, Martha Gelhorn, sua esposa
na época, tratou de procurar outro lugar e encontrou a “Finca Vigía”,
belíssima chácara das redondezas. Para lá se mudaram, no início como
inquilinos, depois como proprietários. Essa foi a única residência estável
do escritor, segundo García Márquez. Ali ele viveu feliz, com muito espaço
e silêncio, verde em profusão, incontáveis gatos e cachorros. Recebia os
amigos de perto e de longe, inclusive personalidades famosas, atores e
escritores. Dali saia em sua lancha “Pilar” para as pescarias e as viagens
pelo mundo. “Levantava cedo, trabalhava até o meio-dia e só parava quando
chegava a um ponto em que sabia o que aconteceria depois” – lembra o
autor. Os diálogos eram escritos à máquina e em pé. “Amo este país e me
sinto em casa; e ali onde um homem se sente em casa, fora a terra onde
nasceu, é o lugar a que estava destinado” – escreveu ele.
O bar “Floridita” era seu ponto de aperitivo. Ali conversava e ingeria
incontáveis “daiquiris”, levando um a mais para beber no percurso – o
“daiquiri do caminho.” O velho bar ostenta num canto um busto esculpido em
metal homenageando o escritor. Muitos outros locais e eventos reverenciam
sua memória na Ilha: a “Marina Hemingway”, um isolante elétrico com seu
nome, existe um hotel “O Velho e o Mar” e um restaurante denominado
“Festa”, títulos de seus livros, e um Torneio Internacional de Pesca do
Agulhão que leva seu nome. Muitos de seus amigos ainda vivem por lá e o
povo humilde cultiva sua memória.
Com a vitória da Revolução, para não criar constrangimento ao novo
governo, doou a “Finca Vigía” ao estado cubano e se retirou do país.
Transformada em museu, é um dos lugares mais visitados do país e tão bem
conservado como nos dias de glória.
(Contatos com a Editora: Avenida Beira-Mar, 406 – Sala 804 – CEP 20021-060
– Rio de Janeiro/RJ).
(27 de junho/2009)
CooJornal no 638
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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