Enéas Athanázio
“GERAÇÃO DO DESERTO” - 45 ANOS
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Publicado em primeira edição no ano de 1964, pela Editora Civilização
Brasileira, do Rio de Janeiro, “Geração do Deserto”, de autoria de Guido
Wilmar Sassi, está completando 45 anos. Segundo a crítica, o livro não
despertou na época o interesse que mereceria, talvez pela circunstância
negativa de ter surgido num ano turbulento em que se implantava o regime
autoritário no país e a tensão social reinante era grave. Aos poucos, porém, a
obra se impôs, mereceu diversas edições, tem sido objeto de inúmeros estudos e
foi adaptada para o cinema pelo cineasta Sylvio Back, em 1971, com o título de
“A Guerra dos Pelados.” O tempo fez justiça e compensou a frieza com que o
livro foi recebido.
“Geração do Deserto” é um romance histórico, o
primeiro que surgiu sobre o Contestado, e que abriu os caminhos para as
produções posteriores. Ainda que seja obra de ficção, os eventos e personagens
mais significativos são reais, contracenando no mesmo plano com outros que
foram criados pela fértil imaginação do ficcionista. Escrito em linguagem
clara e direta, o romance descreve em linhas gerais tudo que aconteceu de
importante durante o conflito que teve início em 1912 e perdurou até 1916, com
passagens épicas mescladas com outras românticas, a pura violência e o amor
verdadeiro. Transparece uma evidente simpatia do autor pelos seres anônimos,
personagens sem história e sem importância, envolvidos pela guerra brutal que
os cerca e orienta suas vidas por caminhos nem sempre desejados. Sabe
pintá-los com ternura e emoção.
O romance foi dividido com habilidade
em quatro partes, cada uma delas focalizando os momentos decisivos da guerra.
Assim, a primeira diz respeito a Irani, onde se feriu o encontro das tropas
oficiais com os revoltosos comandados pelo monge José Maria, ocasião em que
tanto este como o coronel João Gualberto, comandante da força repressora,
pereceram, fato surpreendente e que imprimiu ao conflito rumos totalmente
inesperados. O combate fatídico aconteceu a 22 de outubro de 1912, embora os
relatos registrem que o monge tudo fez para evitá-lo, iniciando-se aí a guerra
até então esboçada. José Maria, o monge guerreiro, seria na verdade Miguel
Lucena de Boaventura, desertor da Força Pública do Paraná, e que residia no
distrito de Espinilho, no município de Campos Novos, onde se notabilizara como
“remedieiro” de múltiplos recursos. Era um homem baixote e corpulento, retaco,
de pernas e braços curtos, mas infundia respeito e admiração, sendo seguido
sem pestanejar pelos fanáticos.
As partes seguintes dizem respeito a
Taquaruçu, Caraguatá e Santa Maria. Entre esses redutos e outros menores
decorriam as incessantes hostilidades, cobrindo enorme extensão territorial.
Os jagunços, conhecedores do terreno, praticavam uma guerra móvel, espécie de
guerrilha, em que a surpresa das tocaias desnorteava o inimigo. Atiravam de
cima das árvores, nos desfiladeiros estreitos, nos carreiros fundos,
escondidos pelo mato e as baixas eram numerosas. Estimulados pela crença no
retorno de José Maria, continuador do monge João Maria, os fanáticos lutavam
como feras. Em suas almas toscas se misturavam o misticismo, as crenças e as
superstições, o ódio aos paranaenses invasores, aos “americanos” (aí
entendidos os funcionários da Lumber e das empresas colonizadoras) e aos
“peludos” em geral e crepitava a esperança de um mundo melhor em que pudessem
viver em paz nas suas terras sem que fossem incomodados pela Companhia Lumber
e pela estrada de ferro. Mas a Guerra Santa, como todas as demais guerras,
acabou em imensa tragédia. Corre então a notícia da rendição dos revoltosos.
“Confirmada a notícia – escreveu o romancista, - a rendição aceita, começam a
chegar as primeiras levas de jagunços. Gente aleijada, semimortos de fome,
disenteria, tifo e varíola; a maioria velhos, mulheres e crianças. Pelo
acampamento desfilou aquele ror de trôpegos, macilentos e esfomeados – o saldo
de quatro anos de guerra” (p. 152). Mortos ou aprisionados os líderes, o
movimento se extinguiu mas os acontecimentos marcaram para sempre a alma do
sofrido povo da região. E Guido Wilmar Sassi, neste romance seminal, registrou
como ninguém os percalços do maior movimento de insurgência civil da história
nacional.
(RT, 06 de
junho/2009) CooJornal no 635.
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e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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