Somerset Maugham, leitor aficionado, não ficava sem ler, e, na falta de outra coisa, se
entregava até à leitura de livros sobre livros, segundo ele os mais
inúteis que existem. Pensando bem, ainda que essa leitura possa ter
encanto, de que serve ler livros que falam sobre outros livros? Em suas
memórias, porém, fica evidente o entusiasmo que tais leituras lhe
proporcionavam.
Nelson Palma Travassos, editor que passou a vida fazendo livros, próprios e
alheios, costumava dizer que livro que não se vende, como os de ensaios em
geral, é inútil. É claro que tal afirmação não passava de brincadeira,
pois se assim não fosse os livros mais importantes que existem, ou pelo
menos a maioria deles, nunca teria sido publicada. O próprio Travassos,
homem culto e escritor de talento, sabia muito bem disso, tanto que
publicou inúmeros livros de vendagem duvidosa mas de significação cultural
ou literária. Entre suas obras consta um “Livro sobre livros.”
Por outro lado, há
muito se fala na decadência e no desaparecimento do gênero, mas penso que
o vaticínio não se realizará. Recebo consideráveis livros de ensaios,
muitos deles comentados na imprensa, de autores de diversos pontos do
País. E se o gênero assim prolifera, certo é que tem leitores e contribui
para o conhecimento de nossas letras.
Quanto a mim, essa
leitura tem muitos encantos. Passam os anos e não me canso de ler
coletâneas de ensaios literários, como acabo de fazer com a plaqueta
“Olhares Múltiplos”, de Maria Nilza (Babylandia – Teresina – 2006),
onde a autora reuniu alguns de seus mais expressivos textos de análise,
interpretação e discussão de temas atuais de literatura e educação.
Confesso que a leitura me agradou e me surpreendeu com revelações
inéditas, ou, pelo menos, pouco conhecidas, e pelas idéias bem
consolidadas que emergem do texto.
O volume se divide em
duas partes bem definidas. Na primeira a autora analisa diversos poetas,
como Vinicius de Moraes, Fernando Pessoa, Castro Alves
e Ferreira Gullar, com abordagens episódicas sobre outros. A
segunda parte, por sua vez, reúne ensaios a respeito da linguagem, as
dificuldades de leitura pelos alunos, a leitura, as dificuldades do
ensino, além de abordar questões filosóficas, políticas e psicológicas da
avaliação, abordando outras variantes, en passant, quando
necessário. Em todos esses intrincados e complexos assuntos a autora pisa
com firmeza em chão conhecido, revelando-se uma aplicada pensadora de
todos eles, com visão clara e posições seguras.
O ensaio mais longo se
debruça sobre a obra de Vinicius de Moraes. Aqui a autora examina
sua evolução como poeta, sua perene preocupação com os jovens, a questão
social e o envolvimento amoroso que se reflete a cada passo em sua
poética. A busca sequiosa da “plena realização pelo amor, a linhagem
lírica e amorosa de seus poemas” e a justa preocupação com “a juventude de
nossos dias que parece perdida sem o referencial de ícones que consagrem
uma existência” (pp. 8 e 9). Aspectos biográficos e fases da vida em
cotejo com a produção de cada época, esmiuçando versos e versos, sua
técnica e tendência, realizam um entrelaçamento rico em sugestões sobre o
homem que “não exercia apenas a atividade de poeta, ele vivia como um
poeta”, segundo José Castelo (p. 12). O poeta metafísico, místico,
ideológico, em constante evolução, vai caminhando em busca da liberdade de
“uma nova dimensão/ a dimensão da poesia” – como seu mais célebre
personagem, o humilde operário em construção (p. 27). Enfim, configura-se
o poeta completo, “trafegando com desenvoltura pelas principais alamedas
da poesia universal” (p. 34). Como se vê, é um ensaio cheio de revelações
e que enriquece a fortuna crítica do poeta.
Quanto a Pessoa,
embora mais sucinto, o ensaio não fica atrás do primeiro. Nele a autora
lança “um olhar oblíquo sobre os heterônimos” (p. 39), buscando
identificar a personalidade de cada um deles, valendo-se para tanto da
própria poesia e de textos do poeta luso. Alberto Caeiro, Ricardo Reis e
Álvaro de Campos são submetidos ao crivo de uma análise biográfica e
psicológica de resultados curiosos e que contribuem para a visão desse
poeta tão admirado quanto estudado. “No universo de cada poeta, Fernando
Pessoa e seus heterônimos, a ambigüidade dos que ousam recriar o mundo” –
conclui a ensaísta.
Castro Alves
e Ferreira Gullar, no derradeiro ensaio da parte inicial, são
encarados em função do aspecto social de sua poética. A desigualdade
social no País, por eles apontadas, persistem incólumes. “As desigualdades
sociais – escreve ela – ainda desafiam a consciência crítica dos
intelectuais, inquietos diante de situações desonrosas para o Brasil” (p.
56). Os brados impregnados de justa indignação desses poetas sensíveis ao
sofrimento dos irmãos precisam ser lembrados para que ecoem nas
consciências e resultem em providências urgentes e indispensáveis.
A segunda parte aborda
temas da maior importância para um País que precisa educar seus filhos e
criar leitores. Múltiplos são os aspectos abordados, lastreados no estudo
e na experiência cotidiana da professora vocacionada que busca resolver os
problemas, apontar caminhos, sugerir soluções. “Afinal, o que é ler?”,
pequeno e significativo texto, sugere inúmeras questões que afligem a
todos nós que lidamos com as letras. E os demais, em conjunto, mostram que
as preocupações com esses magnos assuntos estão presentes no pensamento de
muitos brasileiros de todos os recantos. Por tudo isso, o livro de Maria
Nilza merece ser lido e meditado por quantos se interessam pelo destino de
nossa sofrida pátria.
(23 de maio/2009)
CooJornal no 633