12/09/2008
Ano 12 - Número 598


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




OS NOVOS BUGREIROS



 

Conhecido jornal carioca publicou, em edição de abril, longa reportagem a respeito da questão indígena em Santa Catarina (*). Tenho a impressão de que a repercussão foi grande, a julgar pelos exemplares que amigos enviaram de vários pontos do país. Subscrita pela antropóloga Rosana Bond, transcreve trechos de ensaio de Protásio Paulo Langer e Valdir Cemin, publicado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Indigenistas. O longo texto não poupa críticas à maneira como o problema do índio vem sendo tratado em nosso Estado, considerado “uma unidade federativa moderna, porém dominada por uma burguesia de mentalidade velha e reacionária”, onde o preconceito contra o índio se encobre sob formas sutis de comportamento. Citam exemplos conhecidos do passado histórico e até fatos bem recentes para sustentar suas afirmações.

Segundo o texto, a palavra bugre teria sido cunhada como designação pejorativa ou depreciativa dos antigos habitantes da região, dela se derivando o termo bugreiro, empregado para dar nome ao indivíduo que se entregava à caça e eliminação do gentio. São lembrados os grupos que se organizavam com essa finalidade, verdadeiros esquadrões da morte que agiam com inteira liberdade no final do Século XIX e início do XX, dentre os quais se destacava o do célebre Martinho Bugreiro, composto por cerca de 25 a 30 indivíduos especializados na localização dos índios, atacando-os quando ainda dormiam. Seu campo de ação foi o Vale do Itajaí, onde praticou verdadeiro extermínio, contando com o silêncio conivente das autoridades e, segundo consta, financiados por gente interessada em “limpar o terreno”, a quem prestava contas no retorno das investidas. São fatos registrados pelos historiadores, entre eles o Prof. José Finardi, autor de conhecido livro sobre a região de Ascurra, e o antropólogo Sílvio Coelho dos Santos, cujas obras contêm farto material a respeito, com muitas fotos e até o depoimento de um bugreiro remanescente.

Esses fatos, no entanto, ocorreram em vários pontos do Estado. Relatam os autores o conflito étnico que envolveu colonos e índios no extremo oeste catarinense, nos municípios de Cunha Porã e Saudades. Citam trabalho de Roque Jungblut sobre a região no qual ele tudo faz por esconder sob linguagem carregada de subterfúgios a indianidade lá encontrada pelos colonizadores. E encerram relatando que “há pouco, em setembro de 2007, o prefeito de Gaspar, ao saber que a Funai estava negociando uma área no município para assentar uma aldeia guarani, rapidamente decretou o terreno como de utilidade pública, afirmando que ali iria instalar um horto florestal.” Segundo eles, sempre foi usada, de longa data, a técnica de lançar a população contra os índios, o truque de jogar povo contra povo, “inclusive a população pobre, que não vê os índios com bons olhos.” Isso me faz lembrar do preconceito que existia em Calmon contra os índios do toldo do Quati que, aliás, desapareceu sem deixar vestígios. E para mostrar que o mal não é apenas nosso, basta lembrar os estudos históricos que vêm sendo feitos a respeito do célebre cacique Nheçu, da região fronteiriça do Rio Grande do Sul, até há pouco demonizado pela história oficial.

_______________________________
(*) “A Nova Democracia”, Rio de Janeiro, Número 42, abril de 2008, pág. 15.

 

(12 de setembro/2008)
CooJornal no 598


Enéas Athanázio,
jurista e escritor
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

Direitos Reservados