05/09/2008
Ano 12 - Número 597
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
A TRISTEZA ANCESTRAL DOS ESPOLIADOS
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O impacto da leitura de “Aldeamento dos Acoroás”, de autoria de Reginaldo
Miranda da Silva (COMEPI – Teresina – 2003), me trouxe à lembrança a
coleção do pintor meio-índio Élon Brasil, com o título geral de “Indianidade”,
exposta tempos atrás em Itajaí. Impressionado com as fisionomias que me
espreitavam daquelas telas, escrevi na ocasião: “Nos dez quadros que
compõem a mostra (óleo sobre tela), ele retrata figuras indígenas com
impressionante autenticidade, transparecendo nas faces, e, principalmente,
nos olhos, toda a tristeza ancestral dos espoliados. A apurada técnica do
artista realça até a pele parda dos seres que parecem temer o futuro e
olham com desconfiança o amanhã. Nenhum de nós consegue imaginar o peso de
pertencer a uma raça em constante risco de extinção.” Nada impede, porém,
que aqueles índios taciturnos materializem aos meus olhos os caciques
Bruenque e João Marcelino, líderes dos Acoroás e Gueguês, e
daqueles que os antecederam na amarga e inútil luta pela sobrevivência de
seus povos.
Nesse livro de pouco volume mas de muito conteúdo, o autor se aprofunda no
passado histórico para desvendar a trajetória dessas e de outras tribos
desde o alvorecer do Estado do Piauí. Valendo-se da escassa bibliografia
existente e de documentos descobertos em pesquisas próprias, descreve como
se deram os aldeamentos indígenas de São João de Sende e São Gonçalo de
Amarante, hoje a cidade de Regeneração, fundada em 1772. Foi o mais
importante aldeamento da então Capitania, onde os indígenas resistiram por
mais longo tempo “à sanha do colonizador branco e chegando até o período
provincial.” Revelaram os antigos donos daquelas terras impressionante
espírito de luta, rebelando-se, recusando-se a plantar, encetando fugas em
massa e reclamando seus direitos, inclusive em viagens para contatos
diretos com as autoridades responsáveis.Mas o elemento branco acabou
dominando, como de resto em todo o país, e o indígena sucumbiu em face da
exploração no trabalho, da dureza do tratamento, da fome e da doença, dos
morticínios e perseguições, além da miscigenação. Não obstante, o sangue
índio permaneceu no substrato, denunciando sua presença no caráter do povo
de Regeneração, nome que bem simboliza o seu ideal de construir um futuro
de justiça e paz.
Lá como aqui, a violência sem limites acompanhou a invasão branca das
terras indígenas. Num procedimento que caracterizaria hoje autêntico
terrorismo estatal, os morticínios se sucederam (o autor os define como
indiocídios), a redução dos índios à condição de escravos, as prisões
em verdadeiros campos de concentração, o uso do tronco e da chibata,
medidas que, a rigor, seriam desnecessárias, uma vez que o branco,
detentor de tecnologia muito mais avançada, não sofria ameaça real por
parte do indígena. Aqui em Santa Catarina se notabilizaram os bugreiros,
especialistas no extermínio dos bugres, alguns deles mantendo verdadeiros
esquadrões da morte. Atacavam os indígenas pela madrugada, quando ainda
dormiam, semeando o terror, passando os homens pelas armas e até algumas
mulheres mais valentes, aprisionando moças e crianças, depois levadas para
trabalhar em casas de família. Tudo isso mantido com as contribuições de
empresários e aos olhos de todas as autoridades. Muito escrevi sobre isso,
como também o fez o Prof. Sílvio Coelho dos Santos.
O livro é bem documentado e corajoso nas suas conclusões, sempre fundadas
em elementos sólidos. Encerra uma lição sobre erros do passado para que
não voltem a ser cometidos e, ao mesmo tempo, informa quão difícil foi a
construção das cidades como as vemos hoje. Livros assim servem de roteiro
para um mundo melhor e mais humano, na hipótese de que as lições de ontem
sirvam para o futuro - o que deveria ser o objetivo maior da história.
(05 de setembro/2008)
CooJornal no 597
Enéas Athanázio,
jurista e escritor
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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