Miguel
Calmon du Pin e Almeida é figura ligada à nossa história, ainda que de
forma indireta, justificando meu interesse por ele, as leituras que fiz e
um ou dois artigos a respeito. Nessas leituras, no entanto, incluindo a
biografia oficial, traçada por seu sobrinho e secretário, o Prof. Pedro
Calmon, muitas questões não são abordadas e perguntas importantes não
encontram resposta. Quando menos se espera, porém, eis que novas
informações aparecem, merecedoras de um comentário adicional.
Assim
acontece, por exemplo, no livro “De Catanduvas ao Oiapoque – O martírio de
rebeldes sem causa”, de autoria do jornalista e historiador paranaense
Milton Ivan Heller (Letras Contemporâneas – Florianópolis – 2007). Com
base em intensas pesquisas e vasta bibliografia o autor reconstitui todo o
curso da Revolução de 1924, liderada pelo general Isidoro Dias Lopes,
dentro do território paranaense, até a resistência e capitulação dos
rebeldes em Catanduvas, nas proximidades de Guarapuava, momento em que a
Coluna Prestes se desligou do grupo para seguir seus próprios passos.
Participaram dos eventos soldados da Polícia Militar de nosso Estado e
voluntários catarinenses que constituíam os chamados “batalhões
patrióticos.”
Os
vencidos, famintos, esfarrapados, exaustos, muitos deles feridos ou
doentes, são forçados a caminhar até a cidade de Irati, distante cerca de
100 quilômetros, e dali, em vagões cargueiros, são levados ao porto de
Paranaguá, onde foram embarcados em navios com destino ao Amapá, mais
precisamente à colônia “Clevelândia do Norte” ou “Colônia Agrícola de
Cleveland”, assim batizada em homenagem ao presidente Grover Cleveland,
dos Estados Unidos, que servira de árbitro na questão de limites
Acre/Bolívia. Nesse local isolado e remoto a grande maioria acaba
perecendo, vítima de maus tratos, doenças, abandono e fugas desesperadas
pela mata virgem. Em certo período os óbitos chegavam a doze diários.
Instituída com o objetivo de desenvolver a região e, ao que parece,
estimulada por Henry Ford, visava também a produção de borracha em larga
escala e na época da chegada dos revoltosos estava em franca decadência,
uma vez que o industrial americano já dera início ao plantio de
seringueiras em outras regiões da Amazônia. Nela se misturavam
delinqüentes de todos os tipos, mendigos, andarilhos, retirantes da seca
nordestina e os revolucionários vencidos.
Entra
em cena, então, o ministro da Agricultura da época, Miguel Calmon, que se
vê envolvido em acesa polêmica. Como a referida colônia se vinculava à
Pasta de que era titular, ele foi acusado de ser o autor da idéia de
exilar os revolucionários derrotados para aquele local infecto, verdadeiro
desterro ou degredo, como que condenando-os à morte – segundo a imprensa.
As
críticas também atingiram o presidente Artur Bernardes, chefe do governo.
Defendendo-se, afirmava ele que as acusações eram absurdas e que acatara a
proposta do ministro da Agricultura, Miguel Calmon, “que indicou a colônia
para detenção, declarando ser local salubre.” Parece-me que pretendeu
eximir-se, lançando a responsabilidade nas costas de seu auxiliar. Segundo
os jornais, ele acusava o ministro de haver inventado a infernal colônia,
isentando o governo de responsabilidade, Calmon se defende, afirmando que
a malfadada instituição fôra criada em 1920, quando ele não exercia a
função de ministro. Insistiu na afirmação de que a colônia estava bem
instalada, com recursos para fornecer alimentação abundante e hospital
aparelhado. Declarava que só os presos comuns tinham que trabalhar,
recebendo cigarros e remuneração simbólica, sendo proibidos quaisquer maus
tratos. Dizia ainda que os rebeldes haviam levado para lá os germes da
disenteria bacilar, mal que causou mortes mais numerosas que as doenças
locais. Concluía dizendo que havia indicado a colônia porque outros
presídios situavam-se em locais onde os rebeldes poderiam amotinar-se ou
em Estados cujos governadores rejeitavam a presença deles.
A
imprensa e os depoimentos, no entanto, lançavam sérias dúvidas sobre essas
informações. Quando explodiu a notícia de que o governo mantinha um “campo
de concentração” em plena selva, a opinião pública reagiu indignada. A
chegada ao porto do Rio de Janeiro do navio “Baependi”, trazendo a
primeira leva de desterrados, foi deveras chocante. Pareciam “mortos
vivos” e os depoimentos dos sobreviventes emocionaram a população. Nunca
se vira nada igual; nunca se cometera tamanha indignidade contra tantos
inocentes – repetia a vox populi. “Estarrecido e humilhado o país
se cobre de vergonha e de luto”, dizia o influente “O Jornal”, líder da
Cadeia Associada, de Assis Chateaubriand, considerando “o desterro um
crime que merece a execração universal.” A censura à imprensa e o estado
de sítio haviam mantido em segredo, por longo tempo, os escabrosos fatos
sobre os quais caiu pesada cortina de silêncio – como diz o autor.
Esse
episódio nunca bem esclarecido e que Milton Ivan Heller tudo fez para
reconstituir gera séria dúvida sobre atos de Miguel Calmon quando ministro
da Agricultura. É possível que sua defesa seja procedente e tivesse agido
na melhor boa fé, como novas pesquisas e estudos poderão esclarecer. Seria
lamentável que essa nódoa permanecesse incólume na biografia de quem
batalhou pela construção das ferrovias em nosso Estado, sendo homenageado
como patrono de uma de nossas cidades – Calmon.
(07 de junho/2008)
CooJornal no 584