
24/05/2008
Ano 11 - Número 582

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
O SOL DOS MORTOS
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A biografia é dos mais difíceis gêneros literários, ainda que por muito
tempo não fosse valorizado. De fato, biografar é como ressuscitar a pessoa
através de documentos e trazê-la de volta à vida e ao convívio dos
mortais, isto é, dos leitores. E isso não é fácil, em especial nos casos
de biografados ativos, envoltos em variadas atividades e autores de obras
vastas. Daí porque tantas obras biográficas não passam de tentativas,
simulando relatos chochos como relatórios, quase sempre fincados em datas
que pouco significam. A verdadeira biografia é aquela que dá vida ao
biografado, fazendo com que o leitor acompanhe seus passos e o sinta vivo
e palpitante diante de si. Acima de tudo, deve ser fiel ao pensamento do
biografado, jamais tentando amoldá-lo ao do próprio biógrafo e assim
falseando a verdade, como tantas vezes tenho lido. Monteiro Lobato, para
citar um exemplo que conheço bem, é um caso: vários ensaios a respeito
dele pintam uma pessoa diferente da que ele foi, distanciada do real e de
seu modo de pensar. E isso, quando proposital, é um atentado à memória do
biografado, colocando em sua boca coisas que não disse e das quais não
pode se defender.
Por tudo isso, cresce minha admiração por Fernando Jorge, jornalista
combativo e escritor que se especializou no gênero biográfico, sendo autor
de biografias modelares do Aleijadinho, de Santos Dumont, Getúlio Vargas,
Paulo Setúbal e Olavo Bilac, entre outras. Essas observações me ocorrem ao
terminar a leitura de “Vida e Poesia de Olavo Bilac” (Novo Século Editora
– S. Paulo – 2007), que aparece em sua 5ª. edição e que Fernando Jorge
teve a gentileza de me oferecer. Ampliada e atualizada, é a mais completa
biografia do poeta que sabia ouvir estrelas.
Olavo Bilac (1865/1918), falecido aos 53 anos, teve vida movimentada e
alcançou fama incomum no Brasil para um homem de letras. Tornou-se figura
célebre ainda muito jovem, reconhecido e elogiado nas ruas pelos
admiradores que o reverenciavam onde quer que fosse. Infeliz no amor da
juventude, nunca se casou, mantendo-se solteiro a vida toda e vivendo com
intensidade a boemia literária da época. Seu grupo se compunha de grandes
talentos da prosa e da poesia. As campanhas em que se empenhou só fizeram
crescer seu prestígio, ainda que o estado de sítio, no Rio, o obrigasse a
exilar-se em Minas e tivesse freqüentado a cadeia por mais de uma vez.
Como para o escritor toda experiência é útil, também essas lhe forneceram
inspiração para a obra e a vida. Seus poemas, aos poucos, ganharam as
ruas, freqüentaram a boca do povo, tornando-o um dos poetas mais queridos
de nossa história. Em freqüentes viagens à Europa, estabeleceu laços
permanentes com a intelectualidade, foi amigo de Eça de Queiroz e foi
recepcionado em Portugal de forma consagradora. Integrante da Academia
Brasileira, produziu muito e bem, ocupando expressivo capítulo de nossa
história literária e as páginas das melhores antologias.
Toda essa existência, rica e pontilhada de fatos marcantes, foi palmilhada
pelo biógrafo atento, dia após dia, para isso consultando espantosa
bibliografia, entrevistando pessoas, manuseando publicações antigas,
pesquisando, perguntando, perquirindo. O resultado foi um trabalho
biográfico que não deixa pergunta sem resposta e que prende o leitor até o
fim. Se a glória literária é o sol dos mortos, como dizia Balzac, Bilac
mereceu radiosos raios de sol graças à dedicação de Fernando Jorge.
(24 de maio/2008)
CooJornal no 582
Enéas Athanázio,
jurista e escritor
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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