05/04/2008
Ano 11 - Número 575
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
|
Enéas Athanázio
A CIDADE MORRIA DEVAGAR
|
|
A pequena cidade de São Roque de Minas definhava na letargia de uma vida
sem futuro, agravada ainda mais pelo desmembramento de Vargem Bonita,
berço do rio São Francisco. Ali tudo marchava para trás, a olhos vistos,
sem que alguma panacéia salvadora pudesse ser entrevista. Não possuía
agência bancária, o comércio fraco perdia fregueses para a cidade vizinha,
os aposentados recebiam em outras praças, a pecuária e a agricultura
claudicavam, a educação e a saúde eram precárias. Ninguém atinava com a
solução, os filhos da terra, angustiados, só pensavam em emigrar e as
mudanças se sucediam, tal como num conto meu, já bem antigo. Só que a
aparente solução, em minha estória, veio de repente, nas asas de um
bilhete lotérico, enquanto no caso mineiro ela chegou devagar e com
tremenda luta: foi quando lá aportou, disposto a viver na terra natal, o
recém-formado agrônomo João Leite, jovem e solteiro. Chegava com a decisão
heróica, talvez quixotesca, de tirar da terra sáfara o sustento e, um dia,
a própria riqueza.
Observando aquele cenário marasmático, o moço percebeu com olhar arguto
que o mal da cidade estava na falta de dinheiro, ou melhor, de crédito. Os
pequenos produtores de variados produtos, entre os quais o café,
considerado dos melhores existentes, e os queijos, classificados por
especialistas franceses entre os melhores do mundo, não tinham a quem
apelar quando necessitavam de algum numerário. Foi então que surgiu a
idéia luminosa: São Roque necessitava, com urgência, de uma cooperativa de
crédito. Convencido de que ali estava o remédio, tratou de ler tudo que
encontrava a respeito e de conversar com outras pessoas para melhor se
informar. Expondo suas idéias, foi considerado louco pelos eternos
pragmáticos, objeto de críticas e chacotas de mau gosto, e atacado pelos
politiqueiros que viam em sua pregação objetivos eleitoreiros. Em
compensação, um punhado de corajosos acreditou nele e tratou de ajudá-lo
pelas formas possíveis. Todos se convenceram de que o cooperativismo
constituía um dos caminhos para a liberdade – como pregava Bertrand Russel
ainda no início do século passado. E assim, aos trancos e barrancos,
vencendo os mais inacreditáveis obstáculos, a descrença e a má fé, nasceu
a cooperativa, pequena, humilde, instalada de maneira precária, limitada
nos seus contratos, empréstimos e financiamentos. Foi aos poucos
conquistando a confiança de todos e prosperou lindamente, como planta bem
adubada em solo fértil.
Em 9 de junho de 1991, 22 fundadores assinaram o estatuto social da
SAROMCREDI, apelidada pelos descrentes de “tamborete” (não merecia sequer
o nome de “banco”). Desde então tudo começou a mudar: muita gente voltou,
os proprietários rurais adquiriram máquinas e insumos, o milho, o café e
os queijos se multiplicaram, o comércio floresceu e os velhinhos
aposentados podiam receber em sua própria cidade. São Roque mudou de rumo
e a cooperativa estendeu raízes para outras atividades, interferindo até
na educação e na saúde públicas, e passou a atuar em outras cidades. João
Leite, aos 38 anos de idade, sagrou-se um dos maiores cooperativistas do
país, ministrando palestras em várias localidades. Aprendeu de experiência
própria que o verdadeiro sucesso não é barulhento, mas vem quieto e
lentamente, como escreveu Howard Fast. A quatro mãos com o festejado
escritor André Carvalho, narrou sua tocante história no livro “A Cidade
Morria Devagar”, a que deram o justo subtítulo de “romance de uma
cooperativa”, publicado pela Editora Armazém de Idéias (Belo Horizonte –
2004). É um exemplo vivo de que com boas idéias e coragem para
sustentá-las é possível fazer o mundo melhor, ainda que começando em
pequenos redutos, como a bucólica São Roque de Minas, nos contrafortes da
Serra da Canastra. Sob as bênçãos do milagroso e santo rio São Francisco,
a cidade reviveu.
(05 de abril/2008)
CooJornal no 575
Enéas Athanázio,
jurista e escritor
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
|
|