16/02/2008
Ano 11 - Número 568


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

UM ENSAIO SOBRE LIMA BARRETO

 

Lima Barreto (1881/1922) nunca obteve reconhecimento em vida. Embora considerado “o maior e o mais brasileiro de nossos romancistas” pelo rigoroso crítico Agripino Grieco e aclamado pelos analistas em geral, a glória literária só veio após a morte precoce, entregue ao alcoolismo e beirando a miséria. Desde então, em especial após a biografia publicada por Francisco de Assis Barbosa, sua presença no mundo cultural é uma constante. Livros, ensaios, reportagens, filmes, documentários, novelas, artigos, teses e outras coisas abordam sua variada obra e sua vida sofrida. Entre os ensaios pouco conhecidos deve ser lembrado “Lima Barreto, filósofo do jornalismo”, de autoria do escritor mineiro Vivaldi Moreira e incluído no antigo livro “A Frauta de Mársias” (Editora Itatiaia – B. Horizonte – 1959). O autor foi presidente durante longos anos da Academia Mineira de Letras, uma das mais ativas do país, e reuniu neste livro um punhado de ensaios interessantes. Acredito que o título complicado atribuído ao volume, inspirado numa fábula e personagens da mitologia grega, tenha conspirado contra ele, afastando possíveis leitores.

Nesse ensaio, focalizando o romance de estréia de Lima Barreto, “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, ele revela como o autor penetrou fundo nos bastidores do jornalismo de seu tempo e na alma dos profissionais com quem conviveu. A contribuição da experiência pessoal é visível no livro, acentua o ensaísta, onde Lima Barreto exibiu as entranhas do poderoso jornal “Correio da Manhã”, o mais influente da época, pintando cada um de seus personagens de forma que os leitores o reconheciam com facilidade. Exaltando as qualidades e grandezas de alguns, não titubeou em descrever com palavras cruas os vaidosos e os enfatuados. Dizem os cronistas que desde então o pobre Lima foi vetado no jornal, onde nem sequer seu nome podia ser mencionado.

“Lima Barreto fez, – escreve Vivaldi Moreira – não sabemos se com preconcebida intenção ou sem ela, a filosofia do jornalismo. A ribalta do jornal está magistralmente fixada nas páginas de seu “Recordações...” e fez, no livro aludido, uma reportagem exaustiva da profissão” (págs 29/34). Entrelaçando figuras reais e ficção, colocou nesse romance tudo que observou, viu e sofreu em anos de vida nas redações. O resultado foi uma obra que marcou sua estréia e permaneceu viva como documento de um meio e de uma época.

Em suplemento literário recente encontrei o conto “Porquê não se matava”, de Lima Barreto, um dos mais curiosos, embora pouco conhecidos, de sua lavra, hoje incluído no volume “Marginália”, de suas Obras Completas (Brasiliense – S. Paulo – 1961 - págs. 275/279). Nele o personagem, descrente de tudo, confessa não se suicidar por falta de dinheiro. Temia que as pessoas imaginassem que esse motivo o teria levado ao gesto extremo, idéia que considerava infamante. Punha-se, então, a obter dinheiro e tão logo punha a mão nele começava a gastá-lo sem critério, ficando outra vez sem dinheiro e assim adiando a decisão final. Não queria morrer sem dinheiro e, no entanto, não conseguia segurá-lo. Engenhosa história psicológica do grande Lima Barreto.




(16 de fevereiro/2008)
CooJornal no 568


Enéas Athanázio,
jurista e escritor
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC