09/02/2008
Ano 11 - Número 567
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
VIAJAR E ESCREVER
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Viajar
a escrever são continuidades, já escreveu alguém. Para mim, essa é uma
verdade indiscutível. Como lembrei tantas vezes, desde muito cedo fui
tomado do desejo de excursionar, caminhar, acampar, viajar, enfim.
Voltando, lá vinha a inclinação invencível de descrever a aventura,
enchendo páginas e páginas. Talvez por isso alguns de meus autores
favoritos tenham sido grandes caminhantes e também escritores de talento.
Hemingway, Neruda, Gilberto Amado, Monteiro Lobato, Jorge Amado –
incansáveis andejos, alguns com trajetórias mundiais. E Lima Barreto,
palmilhando sem descanso, com roupas suadas e sapatos cambaios sua cidade
do Rio de Janeiro, percorrendo-a a pé pelo centro e pelos bairros, ser
ubíquo que estava em toda parte, visto nos mais imprevisíveis locais.
Outros poderiam ser lembrados.
Isso tudo contribuiu, sem dúvida, para o prazer que me proporcionou a
leitura de “Zênite – A Linguagem dos Trópicos”, do escritor tocantinense
Moura Lima (Cometa – TO – 2007), que o autor teve a gentileza de me
oferecer. Nele o autor reuniu um punhado de textos que são um misto de
ensaios e crônicas de viagens, interligando suas andanças pelas estradas e
pelas páginas de obras literárias de sua predileção. São viagens
literárias, algumas delas autênticas aventuras, conhecendo lugares e
revendo outros, buscando penetrar a fundo no clima de ambientes que
inspiraram tantos escritores brasileiros. O resultado é absorvente,
prendendo o leitor até o fim, tanto nos casos em que a expectativa do
escritor-viajante se realiza como naqueles em que se frustra. São crônicas
andarilhas, gênero pouco versado entre nós, que o autor tocantinense
executou com esmero.
Entre os locais visitados está o Engenho Corredor, onde nasceu José Lins
do Rego, em sentida homenagem ao mago do ciclo canavieiro. A desilusão é
grande quando, depois de tanto esforço, só taperas são avistadas, semeando
na alma do visitante aquela tristeza que sentimos diante do descaso pelo
nosso patrimônio histórico-cultural. Afrânio Peixoto e a Chapada
Diamantina, José Américo e a “Casa” que guarda seu acervo, em João Pessoa,
Augusto dos Anjos e a Academia Paraibana e os sertões do Piauí dão margem
a curiosas visitas, reais ou imaginárias, e análises das obras. Francisco
Miguel de Moura, Alvina Gameiro, William Palha Dias, Mário Ribeiro Martins
e outros mais também são submetidos ao aguçado crivo. E surgem contos de
fundo histórico como a excomunhão de Barro Preto, as orações do Padre
Luso, os feitos de “seu” Totó, os acontecidos do antigo São José do Duro,
a trajetória gloriosa do comandante Jacinto Nunes, ensaios sobre Gurupi, a
palavra, seu povo e sua terra e muito mais que completam as páginas
vívidas e autênticas deste livro que é uma homenagem ao brasileiro dos
ínvios que compõem este país tantas vezes desconhecido.
Para completar, mostra ele como o homem do interior conserva a língua, em
decorrência do isolamento, e ao mesmo tempo cria vocábulos na medida da
necessidade. Tal como faz o campeiro dos nossos Gerais, confirmando, mais
uma vez, que todos nós, brasileiros, somos iguais de norte a sul. As
diferenças são apenas de sotaques.
(09 de fevereiro/2008)
CooJornal no 567
Enéas Athanázio,
jurista e escritor
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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