08/12/2007
Ano 11 - Número 558
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
A VOZ DOS EXCLUÍDOS
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Como todo livro derivado de tese universitária, “Correspondência de Lima
Barreto: à roda do quarto, no palco das letras”, de Fátima Maria de
Oliveira (Editora Caetés – Rio – 2007) é duro de roer. São tantas as
teorias, idéias e citações que transformam cada página num capítulo de
filosofia. Fico me perguntando se tais especulações poderiam mesmo ter
passado pela cabeça do próprio Lima e confesso que fui até o final, página
por página, porque a figura desse escritor infeliz e maltratado pela vida
me fascina de longos anos. Não creio, porém, que o livro encontre dez
leitores espontâneos.
Não quero dizer com isso que o livro seja ruim. Ele apresenta um retrato
diferente do escritor, sem intermediários, porque a autora foi buscá-lo no
mais íntimo dele mesmo, rebuscando documentos pessoais como as cartas,
notas de diários, memórias e até algumas crônicas mais intimistas. Surge
então o Lima Barreto consciente de sua função de escritor militante,
colocando sua pena a serviço dos excluídos em geral, sem partidarismo ou
filiação a grupos de qualquer tipo. É claro que isso contribuiu para seu
isolamento porque o Brasil não aprecia escritores assim, sempre preferiu,
historicamente, aqueles que praticam uma literatura que é o sorriso da
sociedade, como dizia Afrânio Peixoto, ou que estão de bem com a vida,
conforme os colunistas sociais. Um escritor engajado, que desfazia dos
costumes, poses e modas da República Velha (antes de 1930) não poderia
agradar. O próprio Lima relata os puxões de orelha que recebeu em virtude
de suas posições corajosas.
Entre as implicâncias do escritor estavam o bota-abaixo do centro do Rio,
demolindo o casario colonial, o futebol e a influência norte-americana que
já se anunciava avassaladora. Escrevendo em 1919, com rara visão de
futuro, afirmava que a macaquice em relação aos americanos desvirtuaria
nosso modo de ser porque aquela é uma sociedade violenta e o país, como
seu reflexo, também o é. Os tempos só confirmaram seus temores. Dizia ele
que nossas qualidades de desprendimento, doçura, generosidade e modéstia
seriam substituídas pela dureza com os humildes, os inferiores e os
desgraçados, além das superstições de raça, classe etc. (pág. 156). Não
deu outra, a realidade de cada dia o comprova. Note-se que isso foi dito
em 1919, portanto o autor não era agente comunista (o PCB só surgiria em
1922) e nem estava a soldo do ouro de Moscou (a URSS só nasceria em 1921).
O trabalho realizado pela ensaísta foi estafante e amplo, nada deixando
sem atenta observação. Até mesmo as poses de Lima, passeando sujo e
esbodegado pela Rua do Ouvidor para chocar os elegantes e os detalhes
descobertos nas fotos são objeto de análise. O uso do corpo como
instrumento de posicionamento, os desabafos, os protestos diante dos
absurdos, tudo é examinado com a dedicação de verdadeira conhecedora.
Embora de leitura difícil, o livro trouxe importante contribuição ao
conhecimento do verdadeiro Lima Barreto, que nunca foi o boêmio objeto de
tantas troças e boatos depreciativos.
(08 de dezembro/2007)
CooJornal no 558
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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