17/11/2007
Ano 11 - Número 555
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
ANDANÇAS MINEIRAS
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Conheço mais ou menos bem o Estado mineiro. Perambulei, mais de uma vez,
pelas cidades históricas, fui à região de Diamantina e do Serro, no Vale
do Jequitinhonha. Andei em São João Del Rey e Tiradentes, Juiz de Fora e a
zona da mata. Prestei homenagem a Guimarães Rosa em Cordisburgo, sua
terra, e ao Aleijadinho, em Congonhas. Visitei a decantada Conceição do
Mato Dentro, ainda por estrada de terra, Santa Bárbara, Lagoa Santa e, é
claro, as grutas. Confesso, porém, minha simpatia pelo Pico da Piedade,
onde estive umas três vezes, e pela Pampulha, aonde vou sempre que posso.
São recantos que me fascinam.
Também me fascinam o Caraça e Catas Altas. Comecei a me interessar pelo
velho seminário há muito tempo, interesse que só cresceu com a leitura de
“Se não me falha a memória”, de Joaquim de Salles, uma das melhores
autobiografias que li, publicada pelo Instituto Moreira Salles. Nesse
livro, escrito com rara elegância, o autor recorda os dias vividos naquele
internato, sempre parecidos, sem grandes acontecimentos, mas que prendem o
leitor do começo ao fim. Imagino a vida dos internos naquele isolamento,
no colégio solitário, em plena mata, longe de tudo e de todos, onde se
ouviam os ruídos misteriosos da noite e os ariscos lobos-guarás vinham
comer nas mãos dos padres, como dizem que acontece ainda hoje. Como
conseguiram construir todo o conjunto naquele local ermo é pergunta que
desafia a imaginação. Transportando o material em carroças e lombos de
burros pelas picadas ínvias e erigindo com paciência inacreditável, pedra
por pedra, a igreja, os pavilhões, os dormitórios, os muros, as calçadas,
tudo, enfim, que constitui o celebrado educandário. A primeira impressão,
na chegada, é de aguda surpresa ante o conjunto que se ergue, imponente e
orgulhoso, entre morros e em meio à mata verdejante. Lugar inesquecível, o
Caraça permanece indelével nas retinas.
E Catas Altas? Eis uma cidade inacreditável e que parece irreal, fictícia,
plantada entre picos que furam o céu. Ali tudo é de pedra, desde os
compactos morros que a cercam até o casario mais antigo, os passeios e o
calçamento das ruas. Pedra-ferro da mais pura, daquela que lança chispas
ao atrito, chamando raios e tempestades em dias chuvosos, segundo os
moradores. Calçadas onde ecoam os sons provocados pelas ferraduras dos
cavalos de tração ou montaria, pelas rodas das carroças e até pelos passos
dos transeuntes nos momentos de maior quietude. A majestosa igreja, com os
“abacaxis” das torres altas e eretas que se elevam nas alturas. Cidade
onde residiu José Afrânio Moreira Duarte, por ele invocada com tanto
carinho numa crônica de seu último livro. Onde o povo tranqüilo e
acolhedor revela que nem tanta pedra é capaz de endurecer os corações
humanos e só tem nos lábios uma única queixa: as mineradoras que poluem os
rios outrora limpos e de águas cristalinas. Após a visita, uma dúvida
séria nos assalta: existirá mesmo Catas Altas ou é produto de nossa
desvairada imaginação?
Preciso voltar lá para espantar a dúvida.
(17 de novembro/2007)
CooJornal no 555
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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