Enéas Athanázio
PROGRESSO
TREPIDANTE
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Nos meus tempos de advocacia,
recém-formado, fui incumbido de examinar um processo numa comarca do
Paraná, situada naquele meio entre Pato Branco e Campo Mourão, mais para
os lados desta. Cheguei à cidade pelas nove horas, acomodei a bagagem num
casarão de madeira que funcionava como rodoviária, restaurante e hotel, e
tomei o rumo do fórum. Caminhei pela rua atapetada de poeira avermelhada,
típica da região, e logo alcancei meu destino, muito próximo, sem
movimento naquela hora. Solícito e simpático, o escrivão tratou de
facilitar as coisas. Examinei os autos, tomei as notas necessárias, tirei
algumas cópias e requeri as providências que me pareceram adequadas,
coisas simples, nada de “alta indagação.”
Devolvido o processo, eu me dispus a sair e caminhei para a porta. O
escrivão me acompanhou e ficamos conversando nos degraus da escadaria.
Contemplei então o panorama urbano que se abria diante de mim, um panorama
feio e com aspecto desmazelado. A cidade se estendia entre os morros e as
casas se alinhavam ao longo de ruas irregulares e curvas. Construções
modestas, muitas ainda de madeira, com pinturas desbotadas e sujas.
Pairava no ar um pó vermelho que levantava em densas nuvens quando passava
algum carro, dando a tudo aquele aspecto áspero e pegajoso. Numa cerca
próxima, amarrado pelo cabresto, um pobre burro encilhado dormitava
debaixo do sol dardejante. O calor se anunciava com toda força.
Talvez percebendo minhas reações, ainda que silenciosas, o gentil
serventuário estendeu o braço e indicou pontos de interesse da cidade: a
igreja, o colégio, os locais da futura praça, do novo fórum e do ginásio
de esporte, as obras do clube. Depois, num incontido arroubo de bairrismo
orgulhoso, arrematou:
- É um progresso trepidante! Trepidante!
Retornei ao hotel, ainda com as palavras do moço ecoando nos ouvidos,
almocei e tratei de me informar sobre horários de ônibus. Desolado, soube
que só haveria condução, para o sul e para o norte, na manhã do dia
seguinte. Incomodado com a hipótese de ficar ali a tarde e a noite
inteiras, indaguei ao garçom se haveria outra forma de viajar naquele
mesmo dia. Ele, então, apontou a solução salvadora: pedir carona a algum
dos muitos motoristas que almoçavam no local. Ele próprio se colocou em
campo e logo me apresentou a dois mineiros que vinham de Belo Horizonte
para carregar madeira serrada em Pato Branco.
E foi assim que viajei até aquela cidade num lerdo e barulhento caminhão
FNM, o fenemê, “orgulho da indústria nacional.” Por via das dúvidas, tirei
do dedo meu anel de rubi e escondi no bolsinho das calças. Afinal, não
ficava bem para um bacharel diplomado desembarcar de tão inusitada
condução.
(20 de outubro/2007)
CooJornal no 551