20/10/2007
Ano 11 - Número 551


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

PROGRESSO TREPIDANTE



 

Nos meus tempos de advocacia, recém-formado, fui incumbido de examinar um processo numa comarca do Paraná, situada naquele meio entre Pato Branco e Campo Mourão, mais para os lados desta. Cheguei à cidade pelas nove horas, acomodei a bagagem num casarão de madeira que funcionava como rodoviária, restaurante e hotel, e tomei o rumo do fórum. Caminhei pela rua atapetada de poeira avermelhada, típica da região, e logo alcancei meu destino, muito próximo, sem movimento naquela hora. Solícito e simpático, o escrivão tratou de facilitar as coisas. Examinei os autos, tomei as notas necessárias, tirei algumas cópias e requeri as providências que me pareceram adequadas, coisas simples, nada de “alta indagação.”

Devolvido o processo, eu me dispus a sair e caminhei para a porta. O escrivão me acompanhou e ficamos conversando nos degraus da escadaria. Contemplei então o panorama urbano que se abria diante de mim, um panorama feio e com aspecto desmazelado. A cidade se estendia entre os morros e as casas se alinhavam ao longo de ruas irregulares e curvas. Construções modestas, muitas ainda de madeira, com pinturas desbotadas e sujas. Pairava no ar um pó vermelho que levantava em densas nuvens quando passava algum carro, dando a tudo aquele aspecto áspero e pegajoso. Numa cerca próxima, amarrado pelo cabresto, um pobre burro encilhado dormitava debaixo do sol dardejante. O calor se anunciava com toda força.

Talvez percebendo minhas reações, ainda que silenciosas, o gentil serventuário estendeu o braço e indicou pontos de interesse da cidade: a igreja, o colégio, os locais da futura praça, do novo fórum e do ginásio de esporte, as obras do clube. Depois, num incontido arroubo de bairrismo orgulhoso, arrematou:
- É um progresso trepidante! Trepidante!

Retornei ao hotel, ainda com as palavras do moço ecoando nos ouvidos, almocei e tratei de me informar sobre horários de ônibus. Desolado, soube que só haveria condução, para o sul e para o norte, na manhã do dia seguinte. Incomodado com a hipótese de ficar ali a tarde e a noite inteiras, indaguei ao garçom se haveria outra forma de viajar naquele mesmo dia. Ele, então, apontou a solução salvadora: pedir carona a algum dos muitos motoristas que almoçavam no local. Ele próprio se colocou em campo e logo me apresentou a dois mineiros que vinham de Belo Horizonte para carregar madeira serrada em Pato Branco.

E foi assim que viajei até aquela cidade num lerdo e barulhento caminhão FNM, o fenemê, “orgulho da indústria nacional.” Por via das dúvidas, tirei do dedo meu anel de rubi e escondi no bolsinho das calças. Afinal, não ficava bem para um bacharel diplomado desembarcar de tão inusitada condução.

 

(20 de outubro/2007)
CooJornal no 551


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC