Enéas Athanázio
DO OUTRO LADO
DO RIO, ENTRE COQUEIROS
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Para Antonio Possidonio Sampaio,
amizade trintenária Enéas Athanázio
“Mas o senhor quer mesmo ir até lá? – perguntou o motorista, surpreso. – É
longe e complicado.” Como eu insistisse, ele deu um suspiro, pediu algum
dinheiro para completar o tanque, e lá fomos nós. O dia estava lindo, com
céu azul e vento suave. Como fosse nossa primeira visita à chamada Costa
do Descobrimento, a viagem ficaria incompleta se não víssemos aquele
recanto escondido, no extremo norte da região e pouco visitado. Ficava
isolado, do outro lado do rio, entre coqueiros.
Passamos por Coroa Vermelha, local da primeira missa, e Santa Cruz
Cabrália, ambas já conhecidas. Em pouco tempo enfrentávamos a fila para
entrar no ferry-boat que cruza o rio João do Tiba, rio de nome estranho e
foz complicada, cheia de braços e meandros, onde há constante movimento de
barcos de pesca de todos os tipos. Puxada pela lancha “Lelêu”, dotada de
possante motor, a balsa vai até o meio do rio, depois sobe um bom tanto, e
só então embica para o outro lado. Percorrendo uma estrada bem asfaltada,
avistamos fazendas e mais fazendas, todas cobertas por imensos coqueirais
verdejantes. Cruzamos as vilas de São Pedro, Santo Antônio, Guaiú e
Mogiqueçaba, todas isoladas e sem maiores recursos. Tão silenciosas que
pareciam desabitadas.
Não tardamos a entrar em Belmonte, nosso destino. É uma cidade histórica,
situada na foz do rio Jequitinhonha, que desce do norte mineiro. Rio
imenso, largo e caudaloso, que despeja sem cessar enorme quantidade de
água amarelada no velho Atlântico. Essa cor acobreada,- dizem,- se deve à
existência de minérios no percurso e altera a coloração das águas nas
praias, dando-lhes uma tonalidade diferente e que provoca rápido
bronzeamento da pele, por isso muito procuradas pelos que desejam ficar
queimadinhos. Em períodos de pouca chuva, como agora, forma-se um grande
banco de areia na foz, separando o rio do oceano, pelo qual se pode
atravessar de lado a lado. É uma comprida “coroa.”
Belmonte foi ativo porto exportador de cacau, na sua época áurea, pelo rio
acima. Vapores e lanchas subiam e desciam pelo grande rio, levando cargas
de cacau para abastecer o interior distante. Na cidade, os “coronéis”
enriqueciam, vivendo à larga, deixando testemunhos da fartura na
arquitetura, nas praças e nos jardins. Palacetes imensos, construídos com
requinte, decorados com estátuas sobre portões e beirais, cercados de
áreas cobertas e jardins se avistam em vários pontos. Alguns estão
perfeitos, outros mal conservados e muitos em ruínas, mas cada qual com
seu estilo e o secreto orgulho de passadas grandezas, guardando
ocorrências memoráveis em suas biografias. As praças, largas, espaçosas,
com coretos em desuso, talvez por falta de bandas, e folhudas árvores
centenárias. E nas ruas largas e longas, um trânsito escasso de carros e
pedestres, deixando a sensação de um vazio silencioso. Como tantas outras,
Belmonte lembra o clima de algumas cidades descritas por Monteiro Lobato,
exibindo a majestade de outrora e, com certeza, mergulhando no passado de
fartura para enfrentar as agruras do presente. Nas temporadas de veraneio
volta a animação dos banhistas, mas é passageira e logo tudo retorna ao
silêncio.
Depois de pacientes andanças, visitamos a gigantesca estátua que
homenageia o guaiamum (espécie de caranguejo) e descansamos à sombra,
diante do curioso “Café Sem Troco.” Dali contemplei mais uma vez o velho
Jequitinhonha, ocupado em escoar sem cansaço suas águas cor-de-cobre.
(13 de outubro/2007)
CooJornal no 550