29/09/2007
Ano 11 - Número 548
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
|
Enéas Athanázio
CAMINHOS DE
MATO GROSSO
|
|
Entre tantos livros que só têm
merecido o silêncio de críticos e resenhistas, muitos são de excelente
qualidade mas não chegam ao conhecimento do grande público. É isso que vem
acontecendo com “Anatol on the road”, reunindo trabalhos de ficção do
crítico e ensaísta Anatol Rosenfeld (1912/1973), organizado por Nanci
Fernandes e J. Guinsburg (Editora Perspectiva – S. Paulo – 2006).
Judeu-alemão, Anatol Rosenfeld veio para o Brasil em 1937, fugindo das
hordas nazistas que assombravam a Europa e já planejavam a “solução final”
para a eliminação sistemática dos judeus. Embebido da cultura germânica,
conhecedor das letras e do teatro, ele tratou de adotar a nova pátria em
corpo e espírito, procurando conhecê-la e entendê-la, nela vivendo feliz e
com intensidade, sem lamúrias e nostalgias de exilado. Como escreveu
Guinsburg, manteve “um contato dos mais estreitos não só com as camadas
urbanas das grandes cidades, mas com o mundo interiorano e rural de boa
parte do país.” Aprendeu a língua da nova pátria com impressionante
rapidez, escrevendo em estilo muito pessoal e com grande riqueza de
expressão, assinando comentários críticos sobre teatro, cinema e
literatura, além de crônicas, contos, ensaios, artigos e “pílulas
jornalísticas” sobre os mais variados temas para importantes jornais e
revistas. Superou de forma exemplar o desenraizamento do imigrante
expatriado e a partir de 1940 iniciou a produção em português. Trabalhou
de início numa fazenda de café em Pedreira (SP) e depois, por muito tempo,
como caixeiro-viajante.
As impressões da fase de caixeiro-viajante estão reunidas, em sua maior
parte, no primeiro capítulo do livro – “Memórias de um certo viajante”, -
e em outros textos espalhados. A maioria diz respeito a Mato Grosso, então
ainda uno, registrando suas andanças por aqueles caminhos há mais de
sessenta anos. Nenhum leitor diria que retratam a visão de um estrangeiro;
antes refletem a visão e o sentimento de um brasileiro apaixonado por
aquela terra, sua paisagem, seus costumes e sua gente. “Não há um Brasil,
há muitos Brasis” – dizia ele, admirando a exuberância e a vastidão das
planuras, matas, rios, vegetais, animais e cores. Recorda o prazer que
sentia naquelas andanças, apesar do desconforto e das distâncias. As
longas viagens nos trens da NOB, o rio Aquidauana e suas curvas e
recurvas, as rodovias que desapareciam nas chuvaradas, subdividindo-se em
trilhas pelos descampados onde as jardineiras encalhavam, necessitando do
ajutório dos passageiros, e as vacas que dormiam no leito da estrada nas
noites de luar. As chegadas nas fazendas, pousadas e bolichos de beira de
estrada, sempre recebidos com hospitalidade, servidos em mesas tão fartas
que beiravam o exagero, o mate crioulo servido frio ou quente, o bruaá das
movimentadas estações ferroviárias. E as noites no sertão, sob um céu que
parecia tão próximo, banhado por um luar de prata, pintalgado de vagalumes,
onde o silêncio só se violava por algum som indistinto. Não faltam
lembranças suaves das cidades: Porto Esperança e o verdor das matas,
Corumbá, a cidade branca, Cuiabá e a beleza de suas moças casadoiras. Até
o som do rio Paraguai merece saudosa evocação, além das figuras
inesquecíveis, como o filósofo boliviano que expunha sua “teoria do linho”
e o cidadão que lhe transmitia suas experiências a respeito da região.
Para concluir, o conto que fecha o volume é ambientado também em Mato
Grosso.
Em suma, é um livro delicioso que contém um hino a Mato Grosso e sua gente
e me trouxe lembranças imorredouras de minhas próprias andanças por lá num
tempo que já vai longe.
(29 de setembro/2007)
CooJornal no 548
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
|
|