22/09/2007
Ano 11 - Número 547
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
ENCONTRO
MARCADO
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Comentando um livro de Clóvis
Moura, há muitos anos, escrevi que tinha um encontro marcado com Amarante,
a cidade natal do poeta. Naquela época jamais poderia imaginar que seria
sagrado piauiense honorário pela mão de um amarantino, o deputado e
escritor Homero Castelo Branco. E de fato, duas décadas mais tarde eu
receberia o chamado do Meio-Norte para a entrega daquele título em
solenidade na Assembléia Legislativa, em Teresina, surgindo assim a feliz
oportunidade de conhecer o berço de tantas expressões de nossa cultura,
como Da Costa e Silva, Clóvis Moura e meu “padrinho” Homero Castelo
Branco.
Muito cedo, na manhã de 6 de dezembro de 2006, uma quarta-feira
ensolarada, minha esposa e eu, acompanhados do escritor Herculano Moraes e
do poeta Neto Sambaíba, tomamos o rumo do sul do Piauí com destino a
Amarante, cerca de 130 quilômetros distante da Capital. Homero ofereceu a
condução, confortável caminhonete com ar condicionado, com seu motorista,
e lá fomos nós, envolvidos numa prosa animada e dispostos a enfrentar um
dia repleto. Observando a paisagem e a vegetação, eu fazia as inevitáveis
comparações com meus Campos Gerais e custava a crer que estávamos no mesmo
país, tão profundas são as diferenças.
Desembarcando em Amarante, sentimos a presença do calor que se anunciava
daqueles de rachar catedrais, para repetir Nelson Rodrigues. Recebidos por
um grupo de pessoas da cidade, logo nos sentimos em casa, tal a
cordialidade geral. Pela primeira vez espraiei o olhar pela antiga cidade
que se estende à margem do Parnaíba, o Velho Monge. A avenida central,
tantas e tantas vezes vista em fotos, me pareceu tão familiar como se nela
tivesse andado ontem. Subindo a escadaria que conduz ao alto da colina, lá
visitamos o jardim onde se encontra o busto em homenagem ao poeta Da Costa
e Silva. Dali se descortina uma vista panorâmica impressionante, tendo ao
fundo, do outro lado do rio, as imponentes serras irmãs que ficam em
território maranhense, no município de São Francisco do Maranhão. “As
serras são deles, mas a vista é nossa!” – exclamou alguém. E, de fato, lá
estavam elas, compactas, recortadas contra o céu azul, imponentes,
observando a passagem de gerações e gerações, desafiando os tempos. Não me
cansei de olhar e olhar.
Descendo para o centro, fomos à Câmara Municipal, onde muitas pessoas nos
aguardavam, inclusive estudantes das escolas locais. Depois das
costumeiras saudações, falei alguma coisa sobre Monteiro Lobato, a pedido,
e fiquei surpreso com a informação dos alunos sobre o escritor e sua obra.
Perguntas bem formuladas e pertinentes animaram a conversa que ameaçou se
estender além do razoável. É impressionante verificar como Lobato é
conhecido de norte a sul e penetrou fundo nos corações brasileiros.
Outra vez na avenida central, sempre com um grupo de simpáticos
acompanhantes, caminhamos pelas vetustas calçadas, observando construções
históricas e antigas, detalhes, árvores, plantas. Visitamos uma pousada
restaurada, ambiente acolhedor, e o porto fluvial em torno do qual nasceu
o aglomerado urbano. Ainda usado, tem movimento reduzido, e dali se avista
a cidade maranhense, na margem oposta. Mostraram-me o local onde as cinzas
de Clóvis Moura foram espalhadas pela viúva, cumprindo desejo dele,
celebrando o reencontro definitivo.
Rumamos em seguida para o interior do município. Visitamos um alambique
tradicional, movido a energia hidráulica, que fabrica aguardente de fama,
exportado para toda parte. Recebidos pelo proprietário, tudo ele nos
explicou em detalhes, oferecendo-nos, em seguida, o melhor produto da
casa, acompanhado de frutas locais, para equilibrar. Degustamos com prazer
a extraordinária bebida, com moderação – como recomenda a propaganda. Ao
nos despedirmos, o proprietário abanava, talvez desejoso de integrar a
caravana.
Em amplo restaurante à margem da rodovia saboreamos delicioso almoço com
pratos e bebidas regionais. A prosa foi longa e animada. Mas era tempo de
iniciar o retorno e nos despedimos de nossos incansáveis acompanhantes, já
amigos, com pena de deixar pessoas tão acolhedoras. Carregados de
presentes e lembranças, retomamos o caminho de retorno à Cidade Verde. Na
passagem, visitamos a casa do poeta Sambaíba, em plena área rural, isolada
em meio à mata. Casarão imenso, cercado de áreas com redes convidativas,
ali ele reside sozinho, sobrevivendo da venda de seus livros de poesia.
Vive de poesia, literalmente. Quando nos afastamos, deixando-o em casa,
ele parecia solitário diante do casarão que o abriga. Mas um homem que
entregou a vida à poesia nunca está só.
Em Teresina, ao entardecer, descemos diante do hotel. Cansados de corpo,
tínhamos o espírito leve e a mente repleta de lembranças e sensações. O
encontro com Amarante foi perfeito e ficará para sempre dentro de mim.
(22 de setembro/2007)
CooJornal no 547
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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