Enéas Athanázio
AS ÁGUAS DE SIMENON
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O escritor belga Georges Simenon foi um dos mais lidos do mundo. Autor
de mais de duzentos romances, inúmeros contos, novelas e escritos diversos,
criou a figura do Comissário Maigret (Jules), da Polícia Judiciária Francesa,
um dos detetives mais conhecidos e filmados da história do cinema. Usando o
método dedutivo, Maigret não portava arma e nem agia com violência, valendo-se
de meios pouco ortodoxos para chegar ao criminoso. Num cenário de indícios
mínimos, quase inexistentes, ele desvendava mistérios impenetráveis, mais
adivinhando que descobrindo. Ao contrário da maioria dos autores do gênero,
Simenon escrevia muito bem, em estilo elegante e literário, comparando-se a
grandes autores de língua francesa. Afirma-se mesmo que nunca recebeu o Prêmio
Nobel em virtude do preconceito contra a literatura policial, considerada por
muitos críticos como gênero inferior. Diversos livros de sua autoria foram
traduzidos e publicados no Brasil, onde ele tem grande número de leitores,
como em todo o mundo.
Sempre que me sinto cansado de leituras pesadas,
Simenon é o meu “relax”. Volto aos livros dele, policiais ou não, a maioria
dos quais li e reli várias vezes. Para ele, o romance não deveria ser grande,
massudo, para que o leitor não tenha que interromper com freqüência a leitura,
diminuindo seu impacto. O ideal é que seja lido do começo ao fim, de uma
assentada. Uma concepção original do gênero romanesco, que ele levou a
capricho até o fim, exceto em poucos casos. Seus romances quase nunca
ultrapassam as duzentas páginas.
Mas há na obra de Simenon um aspecto
curioso, observado em numerosas de suas histórias. Refiro-me à presença da
chuva, da garoa, da tempestade, da neve e do frio – a presença das águas,
enfim. Quase sempre o pobre Maigret tem que solucionar seus casos sob umidade
constante, com o chapéu e os ombros molhados pela intempérie. Em “O Medo de
Maigret”, que acabo de reler, ele não apenas se vê envolvido na investigação
de seguidos crimes quando visita um amigo numa cidadezinha do interior, como
tem que enfrentar o frio intenso, a chuva que não cessa, o vento gélido que
varre as folhas do chão e até uma pesada tempestade. As nuvens carregadas
obscurecem o céu, os trovões ribombam, as pessoas se recolhem e a umidade é
geral. Mas nada impede que ele prossiga nas investigações e chegue sem
aparentes dificuldades ao criminoso, mesmo que seja o castelão da cidade,
vencendo o repentino medo que o acomete naquele meio gélido e lúgubre. Como
sempre, porém, Maigret “penetra na alma dos implicados” e eles não lhe
escapam, porque o célebre Comissário entende como poucos o ser humano.
18/08/2007 CoJoornal 542
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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