11/08/2007
Ano 11 - Número 541
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
O CONSELHEIRO
XX, AINDA
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Entre minhas mais antigas
leituras está Humberto de Campos (1886/1934), cujas obras completas
conservo em minha casa de praia. Na verdade, nunca o abandonei, repassando
de forma esporádica seus escritos. Mas, de uns tempos para cá, comecei a
olhar trechos e acabei relendo, em seqüência, quatro de seus livros. Os
dois últimos foram “Fragmentos de um Diário” e “Um Sonho de Pobre”,
indicando que dei preferência, sem muito escolher, à sua obra
autobiográfica. Quanto mais lia, mais me convencia de que gritante
injustiça é o esquecimento a que está entregue esse extraordinário
escritor.
Teve uma infância pobre, quase miserável, trabalhando nos mais humildes
serviços, em situações até humilhantes. Mas, à custa de talento e esforço,
tudo conquistou, ingressando na Academia Brasileira de Letras com cerca de
40 anos e exercendo por duas vezes o mandato de deputado federal, cargo
que lhe cassou a Revolução de 1930. Contista, crítico, ensaísta, poeta e,
acima de tudo, cronista, tornou-se um dos mais poderosos homens de
imprensa do país, cuja palavra fazia reputações ou destruía falsos mitos.
Com o pseudônimo de Conselheiro XX, alcançou grande notoriedade; era
festejado, respeitado e temido. Talvez em decorrência da dureza da vida
vivida, tomou-se de um pessimismo negro que se foi agravando no correr dos
anos, ainda mais quando a cegueira se abateu sobre ele, tirando-lhe a
visão aos poucos, de forma implacável e incurável.
“É que, na infância, o que se ouve, ou o que se vê, não sobe para o
cérebro: desce para o coração, e aí fica escondido” – escreveu ele, talvez
numa tentativa de se justificar. Considerando a brutalidade dos grandes
centros (já naquela época!), pensou: “E eu fico a pensar, intimamente, o
que será mais doloroso: se permanecer, até à morte, na pequena terra em
que se nasceu, sem jamais vir olhar aqui fora o oceano tumultuoso da
civilização larga, ou regressar à vida simples e sossegada de uma obscura
cidade sertaneja depois de haver provado os entontecedores venenos do
mundo...” Analisando as injustiças cotidianas, filosofou: “Vêm-me à
idéia, então, certas vidas, certas existências longas e obscuras, - fios
de seda, trabalhados na sombra, e que só merecem o apreço dos homens
depois de cortado pela tesoura da Morte o fio precioso de que elas se
constituíram.”
Escritos sob o impacto de terríveis dores que o matariam antes dos 50,
quando seus horizontes, dia a dia, se reduziam, tomados pelas sombras da
cegueira, neles não há queixas ou lamentações, apenas uma espécie de
contida autocomiseração. “A vida está se tornando um fardo, dia a dia,
mais pesado e terrível. Eu queria a vida principalmente para consagrá-la
às minhas letras, à realização de uma obra de profundo alcance humano que
trazia no pensamento. Isso se tornou impossível.” E mais adiante: “Essas
reflexões temperadas por Schopenhauer preparam-me para morrer com
sabedoria. Deitar-me-ei na mesa como quem se deita num leito macio, para
um sono largo e feliz. Se o sono for bom, para que despertar?”
(11 de agosto/2007)
CooJornal no 541
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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