28/07/2007
Ano 11 - Número 539
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
O CONSELHEIRO
XX
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Como tantos escritores
nacionais, Humberto de Campos (1886/1934) está esquecido. Suas obras estão
esgotadas e não se vendem nas livrarias; não têm merecido teses acadêmicas
ou manifestações da crítica, aliás, cada vez mais raras. No entanto, foi o
cronista mais famoso de seu tempo, além de primoroso contista, crítico,
ensaísta e poeta. Sua obra encantou gerações de leitores e sua crítica, às
vezes impiedosa, mas sempre justa, consolidava reputações e desmontava
imerecidos renomes. É conhecido o episódio envolvendo-o com João do Rio,
no qual forçou este último a encerrar uma coluna de jornal, tal a situação
de ridículo em que metia os personagens de seus escritos.
Nascido no interior do Maranhão, em lugarejo perdido no sertão nordestino
(hoje denominado Humberto de Campos), amargou a mais negra pobreza,
beirando a miséria, ainda mais após a prematura morte do pai. Foi
empregado no comércio e aprendiz de tipógrafo. Residiu na cidade de
Parnaíba, no Piauí, em São Luís e Belém e, por fim, no Rio de Janeiro,
onde faleceu aos 48 anos de idade, vítima de moléstia incurável, em meio a
grande sofrimento. Graças a um esforço permanente, às vezes desesperado,
tornou-se um erudito e um escritor de grandes recursos, dominando com a
mesma competência todos os gêneros a que se dedicava. Segundo Graça
Aranha, “foi o mais aristocrático de nossos escritores”, conquistando uma
vaga da Academia Brasileira de Letras aos 34 anos de idade, em 1920. Foi
também Deputado Federal pelo seu Estado, mas alcançou maior renome como
cronista jornalístico, sob o pseudônimo de Conselheiro XX, na maior parte
de sua militância na crônica. Colocando nelas a erudição e as reflexões,
envoltas em esmerada linguagem, esgrimia a ironia e o humor com perfeição,
acentuando o que havia de ridículo, absurdo ou engraçado nas situações.
Usou a anedota, a piada, o “non-sense” com grande versatilidade,
tornando-se, ao mesmo tempo, extremamente popular e temido. Como o
Conselheiro XX discutia questões, fazia sugestões e dava conselhos em
casos enviados pelos leitores. Seus escritos,observou um crítico, “eram
devorados pela turba, que via no estilo fácil, no tom suave, na queixa
branda, derivativo para todas as agruras cotidianas.”
Suas memórias, no entanto, foram as obras que mais falaram à alma do povo.
Escritas quando já estava doente, retratam de forma pungente os
padecimentos do menino pobre e desvalido, sensível e sonhador, abandonado
na aspereza da selva humana. Nesses volumes,escritos com tocante
sinceridade, está a luta desigual para sair do triste anonimato a que
estava destinado e alcançar o reconhecimento através do trabalho e do
talento. São páginas “de melancolia, resignação e pessimismo, expondo o
exemplo de um homem atingido pela desgraça depois de alcançar a glória por
esforço próprio e honesto”, para repetir Afrânio Coutinho.
Nessas memórias existem momentos que ficam para sempre. É impossível
esquecer, por exemplo, a passagem para o novo Século. Enquanto a cidade, o
país e o mundo festejavam nas ruas e nos salões, entre fogos, músicas e
brindes, o garoto miserável permanecia no porão da mercearia onde era
empregado, na repetitiva faina de lavar garrafas. Pela fresta existente
ele mais adivinhava do que via as comemorações a que o mundo se entregava.
No relato, no entanto, não há queixume ou revolta, apenas a constatação de
que foi assim e não adianta chorar o leito derramado. Em outro local,
talvez um de seus mais conhecidos escritos, narra a tragédia dos “vareiros”,
aqueles seres embrutecidos pela repetição dos mesmos atos, impelindo as
pesadas chatas pelo rio Parnaíba, caminhando com lentidão os mesmos
passos, agarrados ao varão fincado no fundo da água, fazendo a embarcação
vencer a corrente ao longo de quatrocentos quilômetros. “Assim vive, -
conclui ele – preso à sua vara, empurrando a sua barca rio acima, ou
defendendo-a, rio abaixo, o “vareiro” do Parnaíba. E assim morre. Assim
vivo eu, preso à minha pena. E assim morrerei.”
(28 de julho/2007)
CooJornal no 539
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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