30/06/2007
Ano 11 - Número 535
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
RECORDANDO
GODOFREDO RANGEL
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Neste mês de novembro
completam-se 120 anos do nascimento do escritor Godofredo Rangel
(1884/1951), nascido no dia 21. Parece muito tempo, em termos pessoais,
mas é pouco quando se considera a duração de obras artísticas ou
literárias. Escritores que escreveram há séculos, inclusive no Brasil, têm
suas obras lidas, relidas, analisadas e discutidas, ao passo que o grande
romancista de “Os Bem Casados” amarga lamentável ostracismo. Até hoje
continuo sendo seu único biógrafo e fiz um esforço longo e cansativo para
reeditar suas obras, sem qualquer resultado. E, no entanto, sua obra é de
elevada qualidade, foi louvada pela melhor crítica e mereceu aplausos de
leitores de muitas gerações. Para Monteiro Lobato, a obra de Rangel era
das poucas que poderiam figurar entre Euclides e Machado.
Seja como for, não podendo homenageá-lo de outra forma neste seu
aniversário, reli um de seus contos, publicado na “Revista da AML”,
procurando observar-lhe a forma e o conteúdo, isto é, reli estudando. Saí
dele convencido de que o contista foi um verdadeiro artista das letras,
produzindo obras que tocam a sensibilidade do leitor sem abusar de
palavrório emotivo, limitando-se a relatar com aparente frieza. O efeito é
alcançado de forma plena, envolvendo o leitor no clima da história e
conduzindo-o para onde o contista deseja. Neste conto – “O Legado” – há
pouco movimento, limitando-se a relatar a história do peão de fazenda que
perdeu a mulher e, sem condições de cuidar da filha, se vê na contingência
de entregá-la aos cuidados do padrinho, coronel poderoso, latifundiário e
pecuarista que dominava vastos campos, incontáveis cabeças de gado e, com
certeza, inúmeros eleitores. O coronel, aceitando a menina, afastou as
preocupações do pai quanto ao futuro dela mas, em compensação, é pungente
a dor que sofre ao entregá-la, agarrada como era ao pai. Esse o drama
silencioso e íntimo que permeia o conto, exposto sem a busca palavrosa da
emoção mas que emerge das atitudes e gestos de Cesário, o pai desajeitado
e feio cuja tristeza transparece dos gestos canhestros e atitudes
constrangidas.
No aspecto formal, o conto é escrito com o costumeiro esmero de Rangel e
retrata com perfeição o ambiente onde se desenrola, os Gerais Mineiros.
Transitando por ali, Cesário contempla a imensidão verde que o envolve.
“Passeou a vista desatenta pelas invernadas, que se roseavam com o
primeiro rubor da florada. Os campos fugiam para todos os lados, em
ondulações paradas de um mar que se imobilizou. Aqui e além,
salteadamente, abriam-se esbracejos mutilados de árvores secas.” Mais
adiante: “Sua vista corria às vezes o horizonte, como a buscar em torno o
que quer que fosse que perdera e lhe fazia falta... O boleado dos campos,
o rebanho das pequenas ondas imotas, pareciam, a seus olhos, cômoros sem
conta de sepulturas rasas, que recuassem, em renques inumeráveis, para os
planos do horizonte remoto; e plantadas aqui e além, árvores secas,
esqueléticas, abriam os braços, como grandes cruzeiros desolados...”
Pobre Cesário! Esta vida é mesmo uma atrapalhação quando o destino arma
essas ciladas (como ele pensa, sem dizer). E esses campos fotografados em
palavras são como se eu os estivesse vendo e sentindo o ambiente em
derredor. Grande Rangel! (Novembro de 2004).
(30 de junho/2007)
CooJornal no 535
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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