As
relações entre o escritor, em geral, e o jornalista não costumam ser
fáceis. Considerando minha experiência nas entrevistas, fico quase sempre
com a impressão de que não foram feitas as perguntas certas, ao passo que
o entrevistador deve pensar que não dei as respostas corretas. No caso dos
poetas, a situação se agrava porque a linguagem poética parece criar
barreiras às vezes insuperáveis. Deve ser por isso que tantos escritores e
poetas, no Brasil e no restante do mundo, fogem da imprensa. Alguns chegam
ao extremo de nem sequer permitir fotografias, como aconteceu com Nereu
Corrêa, nosso crítico maior, de cuja amizade tive a sorte de privar em
seus últimos anos de vida. Ele afirmava que os fotógrafos o retratavam
sempre de ângulos impróprios, destacando os piores aspectos de sua
efígie.
Foi
pensando nisso que o Prof. Fábio Lucas, um dos maiores críticos
brasileiros da atualidade, se entregou a extensas e estafantes pesquisas
para desvendar as relações com a mídia de dois de nossos maiores poetas:
Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. O ensaio daí
resultante foi objeto do livro “O Poeta e a Mídia”, publicado pela Editora
Senac São Paulo (2002), para cuja confecção ele mergulhou num mar de
entrevistas, reportagens, crônicas, cartas e arquivos relacionados à
dupla, além de aspectos biográficos e da obra literária de ambos. O
resultado foi um livro denso, fundamentado e esclarecedor, de leitura
agradável e útil a todos os admiradores daqueles poetas que tanto marcaram
nossa literatura.
Embora
jornalistas e poetas usem o mesmo instrumento, - a linguagem, - eles a
encaram de formas diversas. Enquanto aqueles empregam as letras para dar
notícias ou opiniões, estes as usam para o exercício da criação. “Para o
escritor a atividade da escrita é, em grande parcela, de natureza não
utilitária, desinteressada. A profissionalização vem em segundo plano” –
diz o ensaísta. Lembra o caso do escritor português Miguel Torga, hostil
às entrevistas mal elaboradas, e famoso pelos destemperos a que se
entregava nessas ocasiões. E daí aponta para Drummond, arredio a
entrevistas e reportagens por longos anos. Só depois dos oitenta se tornou
mais acessível. Ficava angustiado com a possibilidade de que seu
pensamento fosse distorcido e se recusava a falar sobre assuntos que
abordava em suas crônicas. Tímido, o poeta “sempre se isolou dos comandos
comunitários, embora padecesse de grande curiosidade sobre os eventos
circundantes”, com suas “características de elevada desconfiança e
crescente ceticismo” – escreve o autor.
Quanto
a João Cabral, com ele a situação se complicava em face “das obstinações
do poeta (idéias fixas) e de seus desvios. Imenso campo de conflitos da
razão com as circunstâncias emocionais” – acentua o autor. Imagine-se que
o poeta duvidava do valor do que havia escrito depois dos 45 anos, pois
“não estou muito certo se já não é arteriosclerose.” Diante de tais
“oscilações críticas e emotivas”, é fácil imaginar seu relacionamento com
a mídia, ainda mais sendo autor de uma poesia tão erudita e complexa.
Mesmo sendo um dos mais festejados poetas do século, queixava-se com
amargor: “Agora, depois que eu saí de moda, ninguém me manda coisa
nenhuma, por isso eu não estou a par do que está acontecendo.”A
dependência econômica do país, dominando os grandes grupos da mídia, tirou
dos brasileiros o espaço nos jornais. Neles predomina a literatura
importada, em sua maior parte da má qualidade.
O
livro, porém, não fica nisso. Aborda inúmeros outros aspectos relacionados
aos dois poetas e, como pano de fundo, a vida cultural brasileira. Muito
além do proposto no título, ele debate importantes aspectos da teoria e da
história literárias, idéias e opiniões, questões de jornalismo cultural,
opiniões, atitudes, amores, amizades e reminiscências de ambos os poetas.
É, enfim, um livro que informa e abre horizontes. Vale a pena.
(05 de maio/2007)
CooJornal no 527