28/04/2007
Ano 10 - Número 526


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

OLGA SAVARY: TELURISMO E SENSUALIDADE

 

Embora só a conhecesse em pessoa de poucos anos, acompanho de longe o trabalho de Olga Savary há muito tempo, lendo publicações de sua autoria e a respeito do que produz na poesia e na ficção. Minha atitude em relação a ela sempre foi de respeito intelectual, não apenas pela qualidade de sua obra, – de resto notória, – mas também em virtude de outros fatores, em especial de três: a solidariedade, o amor à terra e o arrojo na composição da obra.

Sempre disposta a ajudar colegas de ofício, ainda mais quando se trata de iniciantes, desde que revelem talento, nunca se furta a divulgá-los, publicando seus trabalhos em antologias, enviando livros a resenhistas e críticos, recomendando a escritores amigos. Eu próprio tenho recebido indicações de poetas e escritores que ela julga merecedores, sempre de forma acertada, revelando aquele “faro” típico das pessoas sensíveis e que não se entregam à contemplação única do próprio umbigo. Mais de uma vez escrevi a respeito de escritores e poetas por ela indicados e minhas palavras, nessas ocasiões, mereceram a confirmação de outros juízos. É claro que nesse afã de ajudar, alguns desgostos e decepções são inevitáveis, não fosse o ser humano feito do barro que é. Isso, porém, só engrandece essa postura solidária, quase extinta nos dias bicudos que vivemos.

Quanto ao corajoso arrojo de suas posições, é fato conhecido e decantado. Todos recordam de seu pioneirismo na publicação da antologia “Carne Viva” (1984), a única que reúne apenas poemas eróticos, por ela organizada. Foi também a primeira mulher em nossa história literária a escrever um livro sobre temas eróticos no país e que recebeu o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras – “Magma” (1982). Para ela, sem liberdade e independência não há poesia. Como diz num de seus poemas inéditos, poeta é tudo, “é mulher e homem, demônio e anjo, pedra também, e árvore, selva e semente, grama e montanha, lava e água...” Livre, enfim.

Além disso, há na sua obra algo que me toca de forma especial, talvez porque esse sentimento também seja muito forte em mim – o amor à terra. Em toda sua produção, de forma explícita ou não, o chão natal amazônico é uma constante. O verdor da selva, os mananciais imensos de água, o clima abrasador, os mistérios indecifráveis, a alma do povo, o sotaque característico – tudo é subjacente na sua escrita como um visgo impregnado de amor, saudade, inspiração. Por urbano que seja o tema abordado, sinto por debaixo dele o fundo telúrico. Mesmo quando é universal e cosmopolita, nunca deixa de ser a mais brasileira de nossas poetas, como bem observou Gilberto Freyre, sempre arguto nas análises que fazia: “A poesia de Olga Savary é das coisas mais brasileiras que eu já vi. O Brasil respira na sua poesia, no seu texto. Viva o Brasil através de Olga Savary!” Para concluir, tomo a liberdade de lembrar o genial Câmara Cascudo, provinciano incurável e emérito fazedor de frases, numa das melhores que produziu: “Não rezo e nem ofereço a escritor que não tem o pó da terra natal debaixo dos pés da alma!”



(28 de abril/2007)
CooJornal no 526


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC