14/04/2007
Ano 10 - Número 524
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
POESIA, TEMPO E ÉPOCA
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Como as pessoas, certas cidades parecem
vocacionadas para as coisas da cultura. Desde o alvorecer de sua história,
ainda na fase de formação, elas já buscam meios para exteriorizar o
pensamento, a poesia, a ficção, as artes plásticas. Tudo começa, em geral,
pela publicação de jornais impressos com precários recursos, mantidos com
grande dificuldade e distribuídos de mão em mão, em pontos mais
freqüentados e até nas esquinas. Exemplo assim, como venho observando há
tempo, é a cidade mineira de Uberaba, no chamado Triângulo Mineiro. Em
sintética exposição a respeito, Guido Bilharinho acaba de confirmar meu
pressentimento, registrando também as agremiações culturais, os colégios,
as bandas musicais e outras manifestações da cultura uberabense ao longo
de sua existência.
Com o objetivo de realizar uma “primeira e parcial tentativa de reunião e
abordagem da poesia praticada na cidade nos últimos sessenta anos”,
Bilharinho organizou a antologia “A poesia em Uberaba: do modernismo à
vanguarda”, inaugurando a Coleção Artecultura, do Instituto Triangulino de
Cultura (2003). Trata-se de um belo livro, editado com esmero, cuja
realização exigiu longas buscas e pesquisas em arquivos, jornais, livros e
fontes variadas para se tornar um documento importante, preservando e, ao
mesmo tempo, divulgando os poetas do período e suas obras. Dividida em
cinco partes, a obra registra cada uma das tendências dominantes nas
respectivas épocas, o tempo que durou a predominância e os expoentes de
cada uma, ainda que não fossem estanques e às vezes se interpenetrassem.
Trabalho exigente e criterioso, que só poderia ser levado a efeito por um
exímio conhecedor da teoria literária e da evolução histórica da poesia na
cidade.
Começa abordando “o modernismo e a discursividade nos anos 40 e 50”,
focalizando seus expoentes Válter Campos de Carvalho, Moacir Laterza e
Santino Gomes de Matos. Ainda que os dois primeiros não residissem na
cidade, sua poesia se impregnava do clima uberabense, justificando sua
presença. Destacando os aspectos modernistas da poesia de todos eles, o
organizador enfeixa uma seleção de seus mais expressivos poemas. “A
vanguarda dos anos 60 e 70” se faz presente nas obras de Jorge Alberto
Nabut, Xico Chaves e Paulo Vicente de Sousa Lima. O terceiro foge à
palavra, optando pelas criações plásticas de acentuada expressividade.
Nabut é híbrido, tanto usa a escrita como o traço; Xico se mantém fiel à
palavra, ainda que decompondo-a nos mais criativos jogos. “É uma tríade
poética de alta relevância” – acentua, com razão, o organizador.
Segue-se “o neobarroco nos anos 70 e 80”, onde pontifica o mesmo Jorge
Alberto Nabut como único expoente, exibindo uma produção “rica em
aliterações e assonâncias”, como observou o organizador. Já “o
construtivismo das décadas de 80 e 90” aparece com maior número de poetas,
entre os quais duas mulheres: Carlos Roberto Lacerda, Teresinha Hueb de
Meneses, Olívio Tomain Neto, Maria Aparecida dos Reis e Hugo Maciel de
Carvalho. Fecha o volume o capítulo dedicado à “vanguarda dos anos 90”,
contando o grupo com cinco representantes: José Humberto Silva Henriques,
Tony Gray Cavalheiro, Juliano Bolonha, Marcos Bilharinho e André Luís
Fernandes da Silva. É incrível a criatividade dos poetas, cada qual
expandindo seu talento em formas inovadoras e surpreendentes, mas mantendo
sempre a aura poética que instiga e enleva o leitor.
Com essa antologia o organizador fixou cada poeta em sua época,
preservando-os para sempre, mas também deixou claro que a verdadeira
poesia não desaparece com o tempo porque se aloja nos corações dos
leitores. Guido Bilharinho prestou relevante serviço à história literária
de sua cidade e a mim, em particular, transmitiu informações que eu
desconhecia e me proporcionou excelentes momentos de convívio com a melhor
poesia. Conforme a tradição mineira, os uberabenses se revelaram bons de
pena, em verso ou prosa, como seus coestaduanos em geral.
Registro, para encerrar, fato sobre o qual nunca tive ocasião de escrever.
Godofredo Rangel, o autor de “Vida Ociosa”, desejava encerrar em Uberaba
sua carreira de magistrado. As circunstâncias, porém, não permitiram a
concretização desse objetivo e acabou se aposentado sem concluir a
carreira. Uberaba ficou para sempre como um sonho jamais realizado, mais
uma das tantas frustrações do pobre Rangel. (2004).
(14 de abril/2007)
CooJornal no 524
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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