Enéas Athanázio
O RIO INVISÍVEL
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Em 12 de julho de 1904, em Parral, no
Chile, nascia Ricardo Neftalí Reyes y Basoalto, aquele que a partir de 1920
adotaria o nome profissional e literário de Pablo Neruda, um dos poucos
escritores latino-americanos a receber o Prêmio Nobel e o mais célebre de
todos, conhecido no mundo inteiro, detentor de incontáveis dignidades e dos
maiores prêmios literários. Faleceu em Santiago do Chile, em 1973, poucos dias
após o golpe que implantaria naquele país uma das mais sangrentas ditaduras da
história de nosso continente. Para comemorar o centenário, marcado por eventos
em vários recantos do planeta, acabo de reler “O Rio Invisível”, antologia em
prosa e verso, reunindo os mais antigos trabalhos do poeta, aqueles que ele
produziu na juventude, alguns quando tinha cerca de quatorze anos de idade.
Publicado pela Bertrand Brasil, do Rio de Janeiro, em 1998, foi traduzido com
esmero por Rolando Roque da Silva. O volume foi organizado por Matilde Neruda,
viúva do poeta, cujo nome de solteira era Matilde Urrutia, e anotado por Jorge
Edwards, um dos maiores conhecedores da obra do poeta e autor da excelente
biografia “Adeus Poeta”, traduzida e publicada no Brasil. “Por isso levo um
invisível rio em minhas veias”, versos de um de seus poemas, é a epígrafe que
introduz ao livro.
Embora escritos na extrema juventude, naquela fase
em que a vida é uma surpresa e as experiências são poucas, os trabalhos já
revelam o grande poeta e prosador que viria a ser seu autor, mestre no
manuseio da palavra e na justa expressão de idéias e sentimentos. Além da
admirável riqueza de linguagem numa pessoa tão jovem, fornece indicações de
rumos que ele tomaria na vida, tornando-se um “globe-trotter” como poucos,
misto de aventureiro, revolucionário e intelectual voltado para as causas dos
infelizes, contribuindo de forma decisiva para a disseminação de sua poesia.
Alguns de seus poemas foram declamados em tantos lugares e ocasiões que quase
se tornaram canções de luta, como o célebre “Poema XX”, o preferido de Gabriel
García Márquez. “Confesso que Vivi” e “Pelas Praias do Mundo”, livros de suas
memórias, têm sido dos mais lidos no gênero em todo o mundo, reconstruindo uma
vida rica de incidentes, aventuras e obras literárias. Mesmo aureolado pelo
sucesso, jamais deixou de ser um homem do povo e vibrava quando alguma pessoa
anônima recitava seus versos. Seu eterno coração de menino o levava a
colecionar brinquedos, caravelas, moluscos, originais de obras literárias e
livros. “Isla Negra”, sua célebre morada, se tornou atração turística,
conhecida no mundo inteiro.
Neste livro, em passagens premonitórias, já
surgia a invencível inquietação que o levaria pelas estradas, rotas aéreas e
percursos marítimos mundiais. Como o poeta ansiava pelas luzes da verdadeira
poesia, o homem ansiava pelos caminhos. “Desejo de ir andando por todos os
caminhos do mundo;/ caminhos agrestes de verdor e de luz,/ caminhos cegos da
noite,/ caminhos gloriosos de sol...” – escrevia em “Os Minutos Singelos”
(Pág. 33). “De costas em meu leito, sinto um vago/ desejo de adorar essas
distâncias,/ de me perder na cerração dos lagos,/ de me cegar na luz dessa
alegria” – exclamou em “O Desejo de ir embora” (Pág. 37). Por outro lado,
mesmo transformado em cidadão do mundo, não esquece a aldeia natal e suas
lembranças nele se grudam como visgo vitalício. “Também é verdade que as
coisas jamais acabam definitivamente, menos ainda o passado... (Pág. 173).
“Como essas lembranças que, apesar do tempo, conservam ainda sua pegada
inexprimível nas curvas do coração...Velhas lembranças, submersas na água do
tempo, me assaltam” (Pág. 160). São trechos de “Glosas à Província”, onde ele
desfia, uma a uma, as saudades da aldeia, das fisionomias amigas, das areias
do chão removido, do silêncio reconfortante e da paz tranqüilizadora. Dentro
dele, se debatem o desejo de ficar e a ânsia de partir, afogueando o coração
do poeta dividido..
(24 de março/2007)
CooJornal nº 521
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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