Enéas Athanázio
SENSAÇÕES
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Retornando de uma
viagem à Amazônia, duas sensações se confundem dentro de mim. A primeira é um
misto de surpresa e admiração diante da imensidão deste país, suas riquezas e
potencialidades, suas belezas e variedades. A segunda é de desencanto pela
forma predatória, irresponsável e destrutiva como nossas coisas são tratadas,
deixando a impressão de que praticamos atos de pilhagem nos moldes do mais
desumano colonialismo.
Todas as cidades que visitei estão mal cuidadas
e, pelo que li nos jornais, são vítimas da politicalha, com grupos rivais se
digladiando na luta pelos cargos. Ruas esburacadas, poeirentas, com lama e
mato nas sarjetas, material de construção nas calçadas. As árvores foram
retiradas sem dó e nem piedade, o que é lamentável em cidades amazônicas,
provocando o aumento da temperatura. O calor, em consequência, é de rachar
catedrais, como dizia Nelson Rodrigues. Não poderiam faltar as favelas, hoje
presentes em todas as cidades brasileiras. Multiplicam-se “os livres
acampamentos da miséria” de que falava João do Rio.
A Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré, a célebre “ferrovia do diabo”, que custou fortunas, centenas
de vidas, suor e sofrimento sem conta, provocando uma verdadeira literatura,
está entregue ao mais completo abandono. Locomotivas, litorinas, trilhos,
vagonetes, ferramentas e aparelhos diversos estão ao relento, vítimas da
ferrugem e do vandalismo, sob aquilo que foi, em tempos melhores, um imenso
barracão. Outras locomotivas são tomadas pelo mato. Tudo isso diante dos
olhares indiferentes da administração pública de todos os níveis. O museu de
Porto Velho está fechado, isso porque, segundo informações, o único
funcionário foi demitido. Tanto ele como a ferrovia se transformaram em
redutos de marginais de todos os calibres. É uma calamidade!
As
estradas que ligam Porto Velho a Guajará-Mirim são inacreditáveis, uma
buraqueira infernal, e só a perícia e a paciência dos motoristas permitem
trafegar por ali. São um retrato perfeito da “já era FHC”, isto é, de um país
sem governo. Não se vê uma máquina trabalhando, um operário tapando buracos –
é o abandono puro e simples. Causa pena o sofrimento daquele povo para
transportar seus produtos ou mesmo para se deslocar à capital.
Pior
ainda, chocante mesmo, é a devastação. Nesse percurso o panorama é medonho.
Florestas inteiras queimadas para darem lugar às pastagens, onde troncos
enormes permanecem em pé, com os galhos calcinados abertos como braços
implorantes. E o mais grave é que o resultado parece pífio, pois as fazendas
que vi são feias, mal-ajambradas e povoadas por um gadinho de qualidade
inferior. Muitos rios foram poluídos pelo garimpo, avistam-se obras
abandonadas e, no meio daquilo tudo, pobreza, pobreza e mais pobreza. Uma
gente que (sobre)vive de teimosa num Eldorado em processo de destruição. Por
cima de tudo, como o corvo de Edgar Allan Poe, crocita a velha política
brasileira, exercida em favor de poucos, decretando um inexorável “nunca mais”
ao futuro do Brasil.
Diante daquele espetáculo trágico, que não é
exclusivo de lá, mas está presente em todo o país, em todos os seus
quadrantes, relembrei meus dias de juventude e os companheiros de ideal.
Contrariado, fui forçado a reconhecer que eu passarei, como passaram tantos
outros, sem ver concretizado nosso sonho de um Brasil organizado, rico,
eficiente, independente, respeitado, administrado para o seu povo, onde
ninguém padecesse de fome, desabrigo, ausência dos serviços básicos
indispensáveis à elementar dignidade humana. Recordei, uma a uma, as
fisionomias daqueles sonhadores de ontem, risonhas e confiantes diante das
palavras de Stefan Zweig profetizando o Brasil do futuro. Hoje, espalhados por
aí, eles andarão, com certeza, taciturnos, tristonhos e angustiados com a
realidade escandalosa de nosso pobre país. Léo, Norton, Djalma, Abelardo,
Raul, Gonçalves, César, Júlio, Telmo, tantos e tantos outros, é duro admitir,
mas roubaram nossos sonhos!
(13 de janeiro/2007) CooJornal
no 511
(06 de janeiro/2007) RT, CooJornal nº 510
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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