Enéas Athanázio
AMAZÔNIA: QUANDO AS BORBOLETAS DESAPARECEM
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Nos meus dias de estudante a Amazônia constituía motivo de orgulho e
objeto de intensa curiosidade. Em nossas mentes estava o sentimento subjacente
de que tínhamos algo único e inigualável, a ser tratado como símbolo da
própria pátria. Mas as coisas mudaram, a devastação e a pilhagem transformam
tudo em cinzas e a mais bela floresta do mundo vai se tornando um pesadelo na
alma nacional. Em viagens à região, nestes últimos anos, vi de perto a
política de terra arrasada que lá se pratica. Agem como quem explora uma
fazenda até o limite para depois abandoná-la e partir para longe.
Mesmo
duvidando de que palavras possam alterar a situação, recebi dois livros a
respeito da região, de gêneros diferentes, mas que merecem atenção de qualquer
um que ainda se importe, por mínimo que seja, com o futuro do país. Trata-se
de “A lenda do amor eterno”, romance de autoria da escritora paraense Sylvia
Helena Tocantins, fechando uma trilogia de obras romanescas marajoaras (Edição
IOESP – Belém – 2005) e “Natureza morta. História viva”, de Renato Ignácio da
Silva, historiador e ficcionista, um dos grandes conhecedores do tema nos dias
atuais (Edição Renig – S. Paulo – 2005). Ambos, de certa forma, se
complementam e a leitura de um interfere na visão do outro. Cada qual em seu
gênero, contribuem para revelar mais um pouco da terra e da gente de uma
região que parece votada à destruição sem ter sido ao menos estudada.
Escritora de fôlego para o romance, Sylvia Helena viveu na Ilha do Marajó e a
conhece muito bem, tanto nos aspectos geográficos, sociais e humanos, como
também na colorida linguagem regional. É nesse meio grandioso, submisso à
ditadura das águas e aos influxos naturais, que ela ambienta a história
fascinante do amor que tudo vence, sobrepujando os obstáculos. Lá se
desenrola, diluído com habilidade no texto, o panorama impressionante da maior
ilha fluvial da Terra, com sua natureza invencível, espaços assustadores,
horizontes inatingíveis, florestas, rios que parecem mares, animais, pássaros,
répteis, insetos, flores. E em meio à natureza dominadora, o ser humano na sua
luta pela vida, às vezes perplexo diante das adversidades e vítima dos mesmos
sentimentos universais, mas que tudo enfrenta como pode, solitário e isolado
na sua pequenez. Escrito com segurança, dominando o descritivo, o diálogo e a
técnica romanesca, a autora agarra o leitor até o fim e mostra tudo que diz
com o Marajó num romance que é, no fundo, um documento confiável e rico
daquele recanto inigualável do país. A publicação desta obra constitui um
marco nas letras amazônicas e precisa ser conhecida em toda parte.
Misto de história, ciência e ficção, o livro de Renato Ignácio é um ensaio
absorvente sobre o mundo amazônico, conduzindo o leitor, de forma suave, ao
entendimento do complexo sistema que desafia estudiosos de múltiplas áreas.
Através de retratos de cientistas, pesquisadores, viajantes e observadores,
ele mostra como as forças naturais agiram para cimentar a convivência num
sistema interligado e cíclico tão poderoso na aparência mas tão frágil na
realidade. Não é livro ambientalista radical, mas de alguém que criou uma
consciência aguda das circunstâncias atuais da região e se inquieta com o
futuro, cada vez mais visível e próximo, inclusive diante da recente estiagem.
Além disso, imiscuindo-se nas narrativas, o folclore, as lendas, os casos, as
experiências de vida, a fauna e a flora, a linguagem e a vida no mundo
selvático. “Nenhum problema ambiental em nível mundial é tão grave quanto a
devastação da floresta tropical amazônica – assegura ele. – Quando as
borboletas desaparecem e os homens ficam cercados somente de moscas e
mosquitos é sinal de que o homem e a natureza estão ameaçados...”
É um
alerta aterrador de quem entende do assunto e que precisa ser encarado com
seriedade por todos os brasileiros.
(06 de janeiro/2007) RT, CooJornal nº 510
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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