Enéas Athanázio
PERSONAGENS E AUTORES
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Passam os anos e continuo um leitor voraz. Costumo ler até gêneros que têm
poucos aficionados, como teoria e história literária, crítica e ensaios,
inclusive aqueles bem encruados. Perdi a conta dos livros que li, embora a
pilha dos que aguardam leitura não cesse de crescer. Nestes últimos meses
venho lendo os romances que a “Folha de S. Paulo” publicou, alguns deles já
lidos, mas que reli com grato prazer, como aconteceu com “O Velho e o Mar”, de
Hemingway, e “O Processo”, de Kafka. Li ainda “A Linha de Sombra”, de Joseph
Conrad, “O Grande Gatsby”, de F. Scott Fitzgerald, “Pantaleão e as
Visitadoras”, de Mario Vargas Llosa, e “Nosso Homem em Havana”, de Graham
Greene. Todos romances de primeira linha, cada autor resguardando sua
personalidade e estilo.
Quanto ao “Pantaleão”, de Vargas Llosa, é um
romance que vem ratificar aquilo que sempre afirmo: a semelhança
impressionante entre todos nós, os sul-americanos. O livro retrata um “clima”
que em nada difere do nosso, dando a impressão de que o Peru não passa de
outra região brasileira, ainda que falando espanhol. Nele estão as
malandragens dos personagens, o uso do jeitinho, o jogo-de-cintura, as
negaças, as jogadas dos políticos, as religiões messiânicas explorando os
incautos, a devastação inclemente da floresta amazônica, a imprensa
sensacionalista, a corrupção, a exploração de menores e prostitutas, a
ausência do poder público e por aí afora. Fica a mesma sensação deixada pelos
romances de Jorge Amado ou Érico Veríssimo. Somos todos “hermanitos”, ainda
que de idiomas diferentes.
“Nosso Homem em Havana” é obra de um dos
maiores escritores do século passado e constitui uma crítica terrível ao
Serviço Secreto Britânico, colocado em posição deveras ridícula. Revela, por
outro lado, a podridão reinante no governo de Fulgêncio Batista, na fase
anterior à Revolução Cubana, fato que deve ter facilitado a vitória de Fidel
Castro. Para escrever esse livro Greene passou longa temporada em Cuba,
observando e anotando, o que deu ao romance aquele ar de indiscutível
veracidade. A escritora francesa Régine Deforges, em seu premiado romance
“Cuba Libre!”, coloca Graham Greene no enredo, convivendo com os próprios
personagens do escritor, num entrelaçamento muito curioso. Assim, Greene seria
hóspede do médico alemão aposentado, Dr. Hasselbacher, que serve de guia ao
escritor nas andanças cubanas, vigiados de perto por um capitão Ventura, chefe
da repressão policial da ditadura de Fulgêncio Batista. Em companhia de Léa,
heroína do romance de Deforges, Greene e Hasselbacher chegam a comparecer a
uma festa oferecida por Hemingway, na sua célebre “Finca Vigía.” No romance de
Greene, Hasselbacher é amigo da figura central, Jim Wormold, e acaba
assassinado, e surge um capitão Segura, chefe da repressão, especialista em
torturas e que usava uma cigarreira recoberta com pele humana.
Greene,
sem dúvida, inspirado na realidade cubana, transformou figuras da época em
personagens de seu romance. Deforges, inspirada na mesma realidade, com
certeza leitora de Greene, colocou em sua obra personagens dele, com ligeiras
alterações, e fez dele próprio seu personagem. Deforges fez com Greene o que
ele fizera com outros. A situação criou um entrelaçamento dos mais curiosos,
num típico caso de intertextualidade – como diriam os teóricos.
(Rio Total, 30 de dezembro/2006) CooJornal nº 509
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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