Enéas Athanázio
LIMA E LOBATO
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Ainda não entendi, apesar de tantos
anos, o que fascina mais o leitor: a obra ou o autor. É claro que, em
princípio, deveria ser a obra, pelas suas qualidades ou pela forma como toca o
sentimento do leitor. Nesse caso, os autores mais lidos seriam sempre os
melhores, embora essa não seja a regra. Autores de obras que não figuram na
primeira linha e que merecem reservas da crítica muitas vezes são os
preferidos. Muitos exemplos poderiam ser lembrados. Quando a obra tem
qualidade, fala à alma do leitor e, ainda por cima, é de um autor cuja
personalidade fascina, juntam-se as condições para a chamada consagração
literária.
Dois casos assim são evidentes na literatura brasileira:
Lima Barreto e Monteiro Lobato. Ambos são autores de grandes obras e suas
personalidades, ainda que muito diferentes, provocam uma permanente
curiosidade de leitores e estudiosos, mantendo seus livros sob constante
análise e discussão. É tanto o que se escreve a respeito deles que se tornou
impossível, mesmo para quem tem os olhos voltados para eles, acompanhar tudo.
É ótimo que seja assim nos dias de hoje porque durante os anos autoritários
reinava triste silêncio sobre a genial dupla.
Em duas revistas
recentes, ambas mineiras, por coincidência, acabam de ser publicados
excelentes ensaios, um dedicado a Lima e outro a Lobato, abordando sempre
aspectos novos e até aqui não observados pelos demais ensaístas. É curioso
observar que sempre se repete que o gênero literário ensaio não tem leitores
entre nós e, no entanto, nunca cessam de ser produzidos e publicados. Sinal de
que, ao contrário do que se afirma, os ensaios têm público, caso contrário
teriam desaparecido de nossas publicações.
A “Revista da Academia
Mineira de Letras”, em seu número mais recente (março/maio/2004), publica
excelente trabalho de Taílze Melo Ferreira sob o título de “O avesso da
fachada: o espaço urbano nas crônicas de Lima Barreto.” Ela se volta para um
dos gêneros a que se dedicou o escritor carioca - a crônica, - que também foi
romancista, articulista, novelista, crítico, autor teatral e repórter. A
ensaísta flagra Lima como flâneur, isto é, andarilho, acometido como foi pela
mania deambulatória. Parecia ubíquo, visto em todos os cantos da cidade,
andando e andando, sempre com os olhos críticos abertos para a sociedade,
depois abordada nas crônicas em que comentava a moda, a corrupção, o
formalismo, a linguagem aristocrática e as mudanças sofridas pela cidade com o
“bota abaixo” do prefeito Pereira Passos, desalojando os pobres dos cortiços e
levando-os a formar as primeiras favelas. Na sua literatura militante,
mostrava a fratura exposta da sociedade que habitava a ex-capital federal e,
assim, mais uma vez, estava adiante de seu tempo na compreensão dos fatos
sociais que resultariam no Brasil problemático de nossos dias.
“Ces
Revista”, de 2003, publicação do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora
(MG), publica excelente ensaio de Maria José de Andrade Barino com o título de
“Memórias de menipéia: um corpo cheiroso de saia velha”, em que analisa o
livro infanto-juvenil “Memórias da Emília”, de Monteiro Lobato. Ela mostra
como pensar na obra do taubateano é pensar em marginalização e em arte
carnavalizada, de forma que existem “múltiplas visões do mundo e ideologias
presentes no texto lobatiano.” Mostra a profundidade de uma obra às vezes
simples na aparência, na qual a crítica atilada descobre nuances e
ensinamentos nem sempre percebidos pelo leitor comum. E aí reside a
importância da crítica, abrindo os olhos do leitor e ensinando-o a ver.
Ambos são ensaios de qualidade, dos quais dei aqui pálida notícia,
mostrando os desafios à argúcia dos intérpretes existentes nas grandes obras
da literatura.
(09 de dezembro/2006)
RT, CooJornal no 506
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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