02/12/2006
Ano 10 - Número 505
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
ARQUIVO LIMA BARRETO (2)
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Repassando as cartas de Lima Barreto (1881/1922), catalogadas pelo poeta
Darcy Damasceno e publicadas nos “Anais da Biblioteca Nacional” (1985),
fica no leitor a nítida sensação de desamparo e pobreza. Não conheço outro
caso, na literatura nacional, de escritor que tenha vivido em
circunstâncias histórica e pessoal tão refratárias à realização de sua
obra. Mas Lima enfrentou as dificuldades com decisão e coragem. “A vida,
infelizmente, deve ser uma luta; e quem não sabe lutar não é homem.
Queimei os meus navios; deixei tudo, tudo, por essas coisas de letras...”
– desabafou ele. A literatura, embora tarde, lhe deu a glória póstuma;
cegos e insensíveis foram seus contemporâneos que não souberam ver o gênio
que ele era.
Várias dessas cartas solicitam empréstimos em dinheiro, em geral quantias
ínfimas. Há quem lhe peça ajudas de todos os tipos, para despesas
hospitalares, medicamentos, passagens. Eram os rotos apelando ao
esfarrapado.
Enquanto isso, o senhorio cobrava aluguéis atrasados e alguém solicitava o
reembolso de pequenos empréstimos. E o chefe da repartição onde Lima
trabalhava, preocupado com sua ausência, apela para que cumpra o
expediente.
Um livreiro lamenta não poder enviar dinheiro porque a venda dos livros de
Lima “estava parada.” Apenas Monteiro Lobato, editor de um livro dele,
lamenta o encalhe da obra. Relata que mandara trocar a capa do livro por
outra mais chamativa, tentando assim incrementar as vendas. Mesmo assim
lhe envia algum dinheiro.
Os pedidos são os mais variados, o que revela o prestígio de Lima, apesar
de tudo. Pedem-lhe livros, a publicação de textos, opiniões sobre obras,
interferência para obter empréstimos, “pistolões” para empregos,
apresentações a personalidades e possíveis patrões, até mudas de capim!
Mas, por outro lado, há os que o esnobam, oferecendo suas casas luxuosas
(onde ele nunca iria, inclusive por falta de roupas) ou comunicando
custosas viagens ao Exterior. A todos Lima procura atender, mesmo na quase
miséria em que vivia, dominado pelo alcoolismo e pela doença. Não deixava
bilhete sem resposta. É fácil imaginar o esforço que tudo isso lhe
custava.
Homem de severos princípios, quase puritano, incapaz de jogadas e
autopromoção, Lima sofria com o tratamento que muitos dispensavam “àquele
mulato suburbano metido a escritor.” Seu romance “Isaías Caminha” é o
grito do escritor que deu tudo à literatura mas viveu e morreu desprezado.
No entanto, como afirmou o severo crítico Agripino Grieco, “ele foi o
maior e o mais brasileiro de nossos romancistas.”
Lima Barreto: socialista e legalista, boêmio e moralista, pobre e altivo,
homem do povo e cavalheiro, gênio e esquecido.
(02 de dezembro/2006)
CooJornal no 505
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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