11/11/2006
Ano 10 - Número 502
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
A INUTILIDADE DO LIVRO:
MAIS GILBERTO AMADO |
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Nelson Palma Travassos, editor que passou a
vida fazendo livros, próprios e alheios, costumava dizer que livro que não
se vende é inútil. É claro que tal afirmação era uma brincadeira, pois se
assim não fosse os livros mais importantes que existem, ou pelo menos a
maioria deles, nunca teria sido publicada. O próprio Travassos, homem
culto e escritor de talento, sabia muito bem disso, tanto que publicou
inúmeros livros de vendagem duvidosa mas de significação cultural ou
literária.
Somerset Maugham, leitor aficionado, não ficava sem ler, e, na falta de
outra coisa, se entregava até à leitura de livros sobre livros, segundo
ele os mais inúteis que existem. Pensando bem, ainda que essa leitura
possa ter algum encanto, de que serve ler livros que falam de outros
livros?
Para mim, embora reconhecendo que sou dos poucos, essa leitura ainda tem
encantos. Passam os anos e não me canso de ler coletâneas de ensaios
literários, como acabo de fazer, trilhando as páginas de “Método e
Interpretação”, de José Aderaldo Castello (Edição do CEC – S. Paulo –
1964), onde o autor reuniu alguns de seus mais bem executados textos sobre
três autores que me são particularmente caros – LIMA BARRETO, MONTEIRO
LOBATO e GILBERTO AMADO. Abordarei aqui apenas o que ele disse a
respeito do último, justamente aquele que anda mais esquecido.
Em “Visão de Gilberto Amado”, um dos mais longos ensaios da coletânea, o
autor se propõe a um exame amplo das memórias do escritor sergipano, a
parte da obra que mais destaque lhe deu, alguns de seus múltiplos ensaios
e poesias. Sobre o memorialista, na fase inicial, observa que “a
preocupação de demonstrar a vida do Brasil em determinada época da última
década do século passado (o XIX) para a primeira do atual (o XX), em
função de uma experiência de infância e adolescência subordinada às
generalizações e observações críticas do homem maduro, é um dos lados
positivos, de grande significado, da obra.” Essas anotações do sergipano,
com efeito, reconstituem com fidelidade a vida interiorana daqueles dias,
sendo por isso fontes de citação e referência de tantos autores e de tão
variados gêneros.
Comentando o livro “Minha Formação no Recife”, com certeza o mais lido e
conhecido da série memorialista, faz o ensaísta uma observação
surpreendente, mas sem dúvida verdadeira. Depois de dizer que não se
respira na obra a atmosfera intelectual do Recife, não se sente a presença
de um só grande mestre da célebre Faculdade de Direito que tenha marcado a
fundo o jovem escritor, conclui que o título do livro não passa de efeito
literário, pois o autor foi, na verdade, um autodidata que buscou por
conta própria os seus caminhos. Como, aliás, são quase sempre os
estudantes do Curso Jurídico em todas as Faculdades. E arremata: “E o
título “Minha Formação no Recife” poderia também ser “Minha Formação na
Biblioteca Pública do Recife” ou “na Livraria Nogueira.” Essas conclusões,
no correr das memórias, são de certa forma ratificadas pelo próprio
Gilberto.
Mais adiante, analisando a obra do poeta, há um trecho que merece citação.
“Não segue moda – diz ele da poesia de Gilberto, - no sentido da busca de
temas, de motivos e de processos de expressão arrojados, novos,
revolucionários. É um moderno, mas não um modernista. A sua poesia é uma
herança direta, bem próxima da tradição de nossa poesia e da língua
cultivada.”
Muito ainda se poderia dizer desse ensaio sobre nosso maior memorialista,
mas isto já basta para mostrar que mesmo um livro sobre livros está longe
de ser inútil quando escrito com inteligência e beleza. Pois, como disse o
próprio Gilberto Amado, “o saber ajuda a viver e ler livro bom dá
felicidade.”
(11 de novembro/2006)
CooJornal no 502
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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