Pois
é! Tomado da melhor disposição, com minha mulher ao lado, embarquei num
jatão da “Reunidas” e me mandei para a região missioneira do Rio
Grande. Parti impelido por dois motivos: a antiga curiosidade de ver
aquilo de perto e o cumprimento da promessa de visitar alguns amigos que a
literatura me deu naquelas bandas históricas. E assim, depois de quatorze
(!!) horas de viagem, perambulando pelas nossas magníficas rodovias,
aportamos em São Luiz Gonzaga (eles fazem questão do z), pioneira
dos Sete Povos das Missões, onde instalamos o centro de operações da
heróica jornada. A solicitude do pessoal do hotel e do restaurante logo
nos cativou. Embora meio sonolentos, palmilhamos as ruas da velha cidade,
como outras tantas, fundada por um padre.
À
noite, bem acomodado no hotel, pus-me a ler o guia telefônico, a melhor
fonte informativa de uma região – coisa que aprendi com Georges Simenon,
que deles tirava até nomes de personagens. É pena que esses guias estejam
ficando cada vez mais pobres em dados históricos, econômicos e turísticos
(*). Mesmo assim, surpreendi-me com os nomes de localidades que encontrei.
Eis alguns: Entre Ijuís, Linha Paca Norte, Boca da Picada, Bom Princípio
Baixo, Rolador Abaixo, várias Esquinas, e nomes indígenas, como Bossoroca,
Caaró e Caibaté. A variedade me lembrou de Monteiro Lobato, respondendo à
carta de um leitor gaúcho: “Você mora numa cidade chamada Estrela! Mas que
é que não existe no Rio Grande?”
No
outro dia, muito cedo, com o céu azul sem nuvem e ar fino, começamos as
andanças. Nosso primeiro estágio foi no Santuário do Caaró, local em que
foram trucidados os dois jesuítas, entre os quais o padre Roque Gonzáles
(o terceiro mártir morreu em Assunção do Ijuí, hoje município de Roque
Gonzáles). Lá estão os marcos da tragédia, lembrando momentos amargos da
civilização campeira. Rumamos, em seguida, para São Miguel das Missões,
guardiã das principais ruínas de uma utopia destruída a ferro e fogo. No
meio do campo verdejante, a imponência da igreja, ou do que restou dela,
provoca forte impacto. Como conseguiram erguer a enormidade daquele templo
a muque, sem máquinas e concreto, é um enigma. Permaneci um tempão,
andando e observando, procurando recriar em imaginação a vida que se
desdobrava em torno dele nos dias recuados do passado, antes que a
brutalidade das armas tudo destruísse. Eu visitava, enfim, o local visto
em fotos desde a infância e agora guardo nas retinas, para sempre, um
cenário inesquecível. A última visita daquele dia memorável foi a Caibaté,
pequena cidade de onde alguns leitores costumavam me escrever. Casas
cobertas de zinco e calçamento em estilo pé-de-moleque são marcas locais.
À noite, no hotel, mergulhei no livro “O Povo do Pampa”, de autoria de Tau
Golin, recapitulando e aprendendo.
Na
manhã seguinte rumamos para Roque Gonzáles, em visita ao escritor Nelson
Hoffmann, romancista e crítico de talento, até então só conhecido através
de cartas. Foram horas agradáveis, percorrendo vários pontos da cidade,
inclusive fazendo contato com alunos do principal colégio. Apesar da chuva
pesada, conhecemos bem a cidade, aninhada numa curva do rio Ijuí, guiados
pelo escritor e sua esposa. Sugamos um bom mate, com água quente de
chaleira, refestelados em confortáveis cadeiras na aprazível área da casa
dos Hoffmann, ponto de encontro da intelligentsia local. Deixamos
por lá muitos amigos novos.
Passamos todo o dia seguinte em Santo Ângelo, creio que o principal centro
da região, e que percorremos em todas as direções. Procurei em vão antigo
colega de Faculdade e fiquei cismado com seu desaparecimento. Onde te
enfiaste, tchê?
Num
restaurante dessa cidade, a nota pitoresca que marca toda viagem. O moço
que servia a carne não entendia do assunto. Quando perguntado que carne
era aquela, respondia com desconcertante sinceridade:
“Ah!
Isso eu não sei, não senhor! Mas pode comer sem susto que é carne muito
boa.”
Êta mundão sortido!
No retorno, cruzando os
campos sem fim, lavados pela chuva recente, já nascia uma ponta de saudade
das gentes e terras de Nheçu, com suas paisagens entrevistas em mais essa
jornada heróica.
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(*) Belo
Horizonte é caso à parte. Lá os hotéis costumam manter nos apartamentos um
belíssimo álbum denominado “Viva Belo Horizonte”, contendo todas as
informações sobre a cidade e arredores, além de páginas de boa literatura,
com contos, crônicas e poemas. É publicado pela Editora Armazém de Idéias,
tendo como editor o escritor André Carvalho.
(04 de novembro/2006)
CooJornal no 501