14/10/2006
Ano 10 - Número 498
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
|
Enéas Athanázio
CEFALÉIA MUAR
|
|
José Agostinho, de apelido Zé Caniço, com certeza por ser muito alto e
magro, ganhava o pão com sua carrocinha em que transportava pequenos
fretes, para lá e para cá. Puxada por um velho e paciente burrico, ou
jegue, de nome Pretinho, orelhudo e de reluzente pelagem negra onde se
destacavam manchas amareladas em torno dos olhos e da boca. Zé Caniço e
Pretinho pareciam se entender e estimar, a julgar pelas aparências, pois
não é tarefa fácil aquilatar dos sentimentos de um jegue, ainda que manso
e conformista.
Pretinho sempre se portou bem no trabalho, com sol ou chuva, frio, calor
ou vento, subindo e descendo ladeiras, colaborando com o dono na dura luta
pela vida. Mas de repente, assim no mais, começou a dar sinais de desânimo
e cansaço. Quando parava para carga ou descarga baixava a cabeça,
inclinando para o chão o longo pescoço, num jeito triste e desolado. Zé
Caniço ficava intrigado com aquilo e tratou de caprichar na alimentação do
companheiro de serviço, cuidando para que não lhe faltassem milho, alfafa
e água em abundância. Observando melhor, concluiu que aquelas crises de
desânimo atacavam seu jegue de estimação nos dias de sol.
Numa tarde de verão, com o sol latejando no céu, Zé Caniço fez estacar seu
veículo diante de uma pracinha e foi entregar encomendas. Quando voltava,
já de longe observou a postura de Pretinho. Com a cabeça baixa, quase
rente ao chão, tinha os olhos fechados e parecia prestes a cair. Nesse
momento passava por ali um velhote conhecido, carroceiro aposentado, que
consumia seus dias num banco do jardim, proseando prosas sem sentido. Zé
Caniço comentou com ele o estado de seu animal e o carroceiro, depois de
pensar bem, saiu-se com esta: “Vai ver que ele está com dor de cabeça. O
sol é muito forte.”
Zé Caniço não achou a menor graça na observação. Ela lhe pareceu uma coisa
absurda, pois onde já se viu jegue com dor de cabeça? Aquele velhote devia
estar caducando! Chegando em casa, porém, recolheu Pretinho à sombra do
galpão e notou que, depois de algum tempo, o animal pareceu se reanimar e
passou a comer, beber e agir com naturalidade. Nasceu-lhe, então, a idéia
salvadora.
No outro dia Pretinho apareceu atrelado à sua carrocinha, como de costume,
mas com um detalhe que provocou geral espanto. Trazia na cabeça grosso
chapéu de feltro cinzento, através de cujas abas suas longas orelhas
cruzavam por buracos redondos, e afixado por baixo do pescoço com um
cordão. É verdade que no início ele não gostou, cabeceando para tirar o
bizarro apetrecho, mas acabou acostumando e jamais foi visto sem chapéu
durante a jornada de trabalho.
Coincidência ou não, o fato é que nunca mais o velho jegue deu aqueles
misteriosos sinais de prostração. Zé Caniço parece ter encontrado, como
pioneiro, remédio infalível para a cefaléia muar. E Pretinho, famoso, é
fotografado ao lado de visitantes de toda parte e até fez uma pontinha num
documentário sobre sua cidade.
(14 de outubro/2006)
CooJornal no 498
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
|
|