07/10/2006
Ano 10 - Número 497
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
|
Enéas Athanázio
O MONGE DE TERESINA
|
|
Numa nova viagem a Teresina, com a temperatura abrasadora do costume,
caminhava pelo mercado central, observando a inacreditável variedade de
coisas à venda, os negócios e pechinchas, as conversas e cantorias, quando
aconteceu uma correria de moças que não entendi desde logo. Todas que
vestiam shorts e outras roupas sumárias de verão tratavam de se esconder,
esbaforidas, entre gritos e risos.
Foi então que avistei a figura bizarra que entrava por um dos cantos da
praça, abrindo caminho entre o povo, seguida de pessoas que imaginei seus
adeptos. Com as barbas e cabelos brancos e longos, descendo pelo peito e
pelas costas, envergava uma espécie de bata encardida que chegava aos
tornozelos e parecia ter sido branca em remoto passado. Os pés magruços
pisavam descalços a calçada poeirenta, indiferentes à temperatura que, sem
exagero, permitiria cozinhar um ovo. Trazia nas mãos uma espécie de
decálogo tosco, cujas letras desbotadas mal podiam ser lidas. As faces
encovadas espelhavam cólera e os olhos brilhantes pareciam expelir chispas
na claridade reinante.
Sua chegada pareceu arrefecer o barulho e caminhou em passos firmes
através do povaréu. Nada disse até que avistou uma moça de shorts,
atendendo numa banca de frutas. Olhou para ela, com os olhos ainda mais
esbugalhados, e trovejou em voz rouca;
“Não pode andar peladona! Não pode andar peladona!”
Em seguida desandou num palavrório engrolado, lembrando um latim
estropiado, enquanto a coitada largava tudo e sumia apavorada numa porta
do mercado.
Algumas pessoas riam, outras guardavam completo silêncio. O monge,
enquanto isso, retomava a caminhada fiscalizadora, agora seguido de
adeptos e curiosos, entre estes eu próprio.
Mais adiante, deparando-se com um feirante sem camisa, fuzilou-o com o
olhar bravio e berrou;
“Não pode andar peladão! Não pode andar peladão!”
Desconcertado, o homem baixou a cabeça, como se admitisse um pecado, e
tratou de se afastar para o interior do prédio.
Seguro de sua força e indiferente ao séqüito cada vez maior que o seguia,
o monge retomou a caminhada, dobrando pelo canto da praça, vigiando com
olhar implacável os mal vestidos na sua campanha solitária pela
moralização dos costumes.
(07 de outubro/2006)
CooJornal no 497
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
|
|