16/09/2006
Ano 10 - Número 494
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
GILBERTO AMADO, ESSE DESCONHECIDO
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Recebo mensagem de um amigo paulistano desolado com o que viu na Bienal
Internacional do Livro. Segundo ele, a feira perdeu o caráter cultural que
fazia dela um evento da maior importância e se transformou em mero
comércio livreiro, sem preocupação com a qualidade. Não revelou empenho no
lançamento de novidades significativas para a cultura, preocupada apenas
com o volume das vendas de obras de auto-ajuda, didáticas e paradidáticas,
mais vendidos, dicionários e enciclopédias, quadrinhos e coisas do gênero.
Foi, enfim, uma imensa livraria temporária que só se distinguiu das outras
pelo tamanho, sem maior influência cultural. Para completar - continua ele
- havia estandes com outras finalidades, como vendas de produtos alheios
ao objetivo e até turísticos, desfigurando-a por completo.
Leitor de Gilberto Amado (1887/1969), relata o meu amigo que percorreu
toda a feira, de ponta a ponta, e não encontrou um único livro sobre esse
escritor ou de sua autoria, nem mesmo nos estandes que vendiam livros
usados. Indagando daqui e dali, não ouviu uma palavra no sentido de que
alguém pretenda reeditar as obras do admirável escritor. Pessoas que lidam
com livros revelaram nunca ter sequer ouvido falar dele. (Os livreiros
também estão desaparecendo, sobram apenas vendedores desinformados e
desinteressados). “Gilberto Amado está irremediavelmente esquecido!” –
conclui em sua melancólica mensagem.
E quem foi Gilberto Amado? Segundo a crítica mais exigente, foi uma das
figuras mais importantes do mundo cultural brasileiro no século passado,
autor de uma obra da maior qualidade e com impressionante folha de
serviços ao país. Jurista especializado em Direito Internacional, foi
membro e presidente por várias vezes da Comissão de Direito Internacional
da ONU, em Genebra, além de ter ocupado cargos de relevo na área
diplomática. Ensaísta, romancista, crítico, poeta, é considerado um dos
maiores memorialistas brasileiros, ao lado e ao par de Pedro Nava.
Professor universitário, suas aulas alcançavam o nível de conferências,
atraindo alunos de outras turmas e até colegas de magistério. Mesmo tendo
vivido por longos anos no Exterior, nunca perdeu o agudo sentimento de
nacionalidade e se conservou até o fim um apaixonado pelo Brasil,
estudando-o e procurando interpretá-lo. Reagia com indignação às críticas
ao nosso país, celebrizando-se episódios em que isso aconteceu. Em
importante reunião internacional, uma palestrante criticou o Brasil,
revelando antipatia e desconhecimento. Foi então que ele se levantou
acintosamente e exclamou: “Quem não gosta do Brasil não me interessa!”,
retirando-se da sala. As respostas candentes de “monsieur Amadô” se
tornaram temidas.
Cidadão mítico em sua época, suas vindas ao país assumiam o caráter de
acontecimentos da cultura. Fazia palestras, lançava livros, falava à
imprensa, viajava a convite de universidades. Cidadão do mundo, deixou em
vários escritos a visão abrangente e perspicaz com que observava o
panorama mundial e previa seus desdobramentos. No pequeno volume “Dias e
horas de vibração” lança um olhar agudo sobre o mundo de então e aponta
detalhes nem sempre percebidos pelos contemporâneos. E nunca errava o
alvo.
Mas o Brasil de hoje o esqueceu.
(16 de setembro/2006)
CooJornal no 494
Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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