Em minha última visita a Calmon (SC), o epicentro do “Contestado”,
fiz uma excursão, com alguns amigos, à localidade de General Dutra,
situada nos campos de São Roque, os mais bonitos da região. Fomos de
carro até uma fazenda próxima e depois, caminhando pelos velhos
trilhos abandonados da antiga Rede Viação Paraná-Santa Catarina
(RVPSC), prosseguimos até a estação e a caixa d’água ali existente
para o abastecimento das locomotivas movidas a lenha. A estação, uma
das poucas construídas em alvenaria, foi das mais isoladas daquele
trecho, um prédio solitário e cinzento se destacando entre as
coxilhas da campanha aberta e sem matas ou mesmo árvores escoteiras.
A plataforma feita com blocos de pedra-ferro, o telhado de largas
abas para a frente e os fundos, a sala onde funcionavam os serviços
do agente e do telegrafista, uma cozinha e duas ou três outras
peças. Distante uns duzentos metros, ergue-se a caixa d’água,
importada da Inglaterra, fabricada em ferro maciço, e ainda em pé
até hoje, desafiando os tempos e as intempéries. Sem dúvida uma das
estações mais solitárias da ferrovia; dali os horizontes dos
moradores só encontravam limites onde o verde dos campos se mistura
com o azul do céu. Hoje abandonada, a estação está em ruínas e foi
submetida ao saque e ao vandalismo impiedosos, só restando aquilo
que é impossível de carregar.
Nos meus tempos de garoto, andando por ali na minha velha bicicleta,
conheci o telegrafista, de nome Germano, ainda bem moço, envergando
o uniforme azul com botões dourados e usando quepe com as iniciais
da ferrovia. Fico me perguntando como ele, solteiro, conseguia
suportar a solidão, só compartilhada com o agente, em especial nos
rigorosos e longos invernos da região. Ele, porém, nunca demonstrou
descontentamento, pelo menos que eu notasse. Deveria consolar-se com
o trabalho, acompanhando atento os trens cargueiros e de passageiros
que por ali transitavam. Além da voz do vento constante, chorando
nas quinas da estação, o silêncio era violado pelo resfolegar das
locomotivas, pelos apitos estridentes e pelo martelar das rodas nos
trilhos de aço. Agarrado ao morse e ao seletivo, ele não sentia o
escoar dos dias de sua juventude.
Caminhando sobre a linha férrea, que aos poucos vai sendo coberta
pelo capim que retoma seu espaço, estendendo-se em retas infinitas
que cortam coxilhas e canhadas, damos largas à imaginação e à
memória. Figuramos o agente na plataforma, com o quepe vermelho
designativo da chefia, estendendo entre dois dedos o “pode” para o
maquinista do trem que entra devagar no quadro da estação e
apanhando com os demais dedos da mesma mão aquele que lhe é
entregue. Com a mão livre, num gesto largo, faz uma saudação
estudada à equipe do trem, enquanto o telegrafista, entre pontos e
traços, comunica à estação seguinte que ele acaba de passar.
Acelerando a locomotiva, com um apito breve, a composição retoma seu
curso e ganha velocidade, serpenteando pelo campo qual monstro
metálico e barulhento. Na estação, com olhos presos no trem que
parte, os funcionários solitários o acompanham até que desapareça
nas curvas distantes. E assim acontecia com os cargueiros, os mistos
de cargas e passageiros, o direto noturno e o internacional que
ligava Buenos Aires a São Paulo, com seus luxuosos vagões blindados,
restaurantes, salas de estar e cabines. Todos percorrendo aqueles
mesmos trilhos, hoje entregues ao abandono, que constituíam a
própria espinha dorsal do país.
Ainda mais solitária e silenciosa, a velha estação não ouve mais os
apitos, o resfolegar das locomotivas, o martelar das rodas nos
trilhos. Só restou mesmo a voz do vento chorando nas suas quinas
gastas e desbotadas. Tantas guerras, tanto sangue derramado, tanta
dor e sofrimento para acabar assim!