16/01/2022
Ano 25 Número 1.256
ARQUIVO
CARLOS TRIGUEIRO |
Sou carioca do Rio Comprido, peladeiro dos beirais
nos morros fronteiriços ao bairro de Santa Tereza,
nos terrenos da antiga "Chácara Carrazedo" e do
"Clube Alemão 1909" no ziguezague de ladeiras da
rua Santa Alexandrina, onde, projetado pelo
Governo Carlos Lacerda, foi construído, nos anos
1962/1967, o Túnel Rebouças.
Quando
rapazola já encorpado, também peladeiro, mas em
time de camisa do bairro, não raro jogando nos
campos oficiais do Olaria EC, na rua Bariri, do
América F.C. na rua Campos Sales, e do Botafogo
F.R. na rua General Severiano.
Para ganhar
um dinheirinho e ajudar meus pais na cota dos
estudos, fui datil6grafo, ainda menor de idade,
das fichas dos pacientes internos no Sanatório
Santa Alexandrina, na rua do mesmo nome e número
1245, de propriedade do psiquiatra e catedrático
da antiga Faculdade Nacional de Medicina - Dr.
Claudio de Araújo Lima que muito me ensinou no
vaivém do dia a dia. Nos dois anos em que ali
trabalhei, parecia ter aberto e lido a
enciclopédia da vi da e as muitas facetas do
mundo, por dentro e por fora, e aprendendo a
discernir cabeças pensantes e sábias das
medíocres, ignorantes ou enfermas.
Penetra
vezeiro do Clube Minerva, aos ensaios dos blocos
Bafo da Onça e, mais além, sabe Deus, do
Vai-quem-Quer no Catumbi; carona de estribo em
bondes elétricos da antiga Light das linhas
números 45 (Itapiru/ Barcas), 46 (Estrela) e 47
(Tiradentes/Santa Alexandrina) com ou sem reboque.
Esporádico freguês do chope do Bar Luiz na rua da
Carioca, e mais de uma vez, altas horas da noite,
como se dizia, provador do famoso "Angu do Gomes"
na Praça XV de Novembro - ponto final das farras
da juventude e de varias linhas de bondes.
Esporádico visitador de gafieiras da Praça
Tiradentes e da Lapa - tipo Estudantina - com suas
dançarinas a tempo marcado em cartão perfurado,
gigolô vigiante, vestidos com decotes provocadores
e peitos sem silicone.
Torcedor tricolor
nas arquibancadas monumentais do Maracanã onde ia
a pé ou raramente em táxi lotação com outros
rapazolas; no gigante de cimento, vi fenômenos em
carne e osso (com e sem a bola nos pés) de clubes
brasileiros, estrangeiros e de seleções nacionais
tipo: Jairzinho, Gérson, Garcia, Bellini,
Pinheiro, Jordan, Altair, Di Stefano, Garrincha,
Pele, Pepe, Didi, Rubens, Zagalo, Zito, Evaristo,
Castilho, Bauer, Telê, Valdo, Zizinho, Vavá,
Gento, Puskas, Czibor, Kocsis, Nilton Santos e
outros, sabe Deus quantos...
Estudante
tijucano do ensino médio (na época, denominados
Cursos Clássico e Cientifico), em horário diurno
do Instituto La-Fayette na rua Haddock Lobo e,
mais tarde, na mesma rua, mas nas bandas do
Estácio, rumo ao morro de São Carlos, aluno
noturno do Instituto Rocio para poder trabalhar
durante o dia.
Frequentador do
“mais-que-poeira" Cine Avenida também no bairro do
Estácio, e dos cinemas badalados Odeon, Pathé,
Palácio e Capitólio da antiga Cinelândia;
admirador do Tabuleiro da Baiana, do Largo da
Carioca, e do tom cor- de-rosa da Galeria Cruzeiro
exalando aroma de cafezinho, média, pão e
manteiga, em suma, atração de cafeteria do Rio
Antigo; bebedor de refrescos no Bar Simpatia na
av. Rio Branco e da Laranjada Americana na
Travessa do Ouvidor.
Farejador das iguarias
da Confeitaria Colombo, naquele tempo na elegante
rua Goncalves Dias; devorador dos sanduíches de
pernil, carne assada e empadas de palmito do
tradicional Café Gaúcho na esquina das ruas São
Jose e Rodrigo Silva - com fregueses se renovando
desde 1935 até hoje à volta do balcão do
cafezinho, a testemunhar a vida corrida e as
mudanças arquiteturais promovidas pelas
prefeituras e governos de gosto, sem gosto, mau
gosto, de costumes, segurança e insegurança no
centro do Rio de Janeiro.
Visitante
encabulado dos rendez-vous do Estácio e da Zona do
Mangue; ouvinte convidado de orquestras no Theatro
Municipal; freguês do chope bem tirado no antigo
Bar do Brito no Rio Comprido, devorador das pizzas
tijucanas no Bar Divino faceando o Cine Madri -
esquina das ruas do Matoso e Conde de Bonfim;
freguês de água de coco nos quiosques pioneiros
desde Copacabana às areias de São Conrado, de
batidas de limão e etecetera, totalmente
artesanais, no bar do Osvaldo na Barra da Tijuca.
Enfim, frequentador cara-de-pau da calçada em
frente ao Cine Metro na Praça Saens Peña, na
Tijuca de idos tempos, para, enturmado com outros
encalorados, desfrutar do ar-condicionado que
escapava pelo vaivém das portas do cinema, ou de
propósito, sabe-se lá por onde, para encorajar a
compra de ingressos e juntar o útil ao agradável
(filme da moda sob temperatura amena).
Enfim, sou brasileiro batizado, pecador
inveterado, reservista de Contingente, preciso
atirador de fuzil e mosquetão da Primeira Região
Militar citado em Boletim do Primeiro Exército,
cigano improvisado, aprendiz de capoeirista,
pescador em dias de feriado prolongado,
trabalhador com carteira assinada (aposentado do
Banco do Brasil), contribuinte lesado, pedestre
quase assaltado (consegui iludir e fugir do
malandro), eleitor político frustrado, leitor
atabalhoado de jornais, revistas, almanaques,
gibis, livros, enciclopédias, dicionários, blogs,
e do fabuloso Pasquim; ouvinte de antigos
programas de rádio, mas também, acompanhando a
evolução tecnológica, colecionador de
fitas-cassete, discos de vinil e CDs de música
clássica.
Enfim, carioca amigo dos amigos e
namorador das amigas, bacharel em Administração
Pública pela EBAP da Fundação Getúlio Vargas,
pós-graduado em Disciplinas Bancárias na
Universidade de Roma, articulista esporádico de
temas econômicos, sociais e políticos da
prestigiosa página onze (Opinião) do antigo
Jornal
do Brasil.
Texto extraído do livro "Arrastão de textos
- Ficção de Verdades"
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias". Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
Direitos Reservados É proibida a reprodução deste artigo em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do
autor.
|
|