Sou potiguar nas origens de origens das origens. Que eu saiba, desde
o meu tataravó Tomaz; depois, sou bisneto de Periandro Henriques
Trigueiro e neto do capitão Francisco Trigueiro Sobrinho que, dizem,
veio das bandas de Cuitezeiras desaparecida em 1901 na enchente do Rio
Curimataú (e que dois quilômetros adiante se reergueria como Vila Nova
e, por fim, com o nome de Pedro Velho), e da avó Maria Emília, Maroca,
dali das bandas de Parnamirim.
Na década de 1970, andei por
Mossoró a relembrar idos tempos de 13 de junho de 1927, quando o
cangaceiro Lampião e seu bando atacaram a cidade, mas foram rechaçados
e expulsos a tiros, tal a corajosa e feroz resistência potiguar. E não
é demais recordar o fato até hoje assuntado, recontado e revirado
sobre o temido cangaceiro Jararaca que, uma vez capturado pela gente
do lugar, foi obrigado a cavar sua própria cova e, enfim, acredite
quem quiser, enterrado vivinho da silva como ainda se diz pela fala
cantada dos arigós.
Também andei por Macau, Ceará-Mirim e
vizinhanças a relembrar histórias dos meus tios Alfredo e Periandro,
irmãos do meu pai, Asteclíades, sobre as tias-avós que beirando os cem
anos ainda faziam a feira, diariamente, nos povoados vizinhos (cujos
nomes os coronéis mudaram pra vila isso e aquilo, mas o tempo se
encarregou de enterrá-los) em caminhadas de cinco, seis, sete, e lá se
iam por tantos quilômetros a perder de vista, ouvido, coração e
memória.
Caminhei por becos, ladeiras e ruas de Natal, vezes
sem conta, sempre pronto a degustar a famosa carne de sol - temperada
com receita original - acompanhada de macaxeira, feijão verde e
farinha d'agua nas famosas tavernas do Marinho e do Lira, temperadas
com manteiga derretida em garrafas, e, claro, guarnecidas por garrafas
de cervejas que esvaziávamos enfileiradas para espantar o calor.
Não me passou em branco honraria íntima: presentear meu
aniversario de 70 anos pelas bandas de minhas origens e ouvir sopros
mágicos do passado. Assim, comemorei a data com minha mulher, Maria
Julia, na Praia da Pipa, resguardada ao fundo por imensas escarpas
escavadas por erosão milenar. Tão íngremes e imponentes, as falésias
de cores ferruginosas mergulhavam no tempo e o traziam de volta. Para
vencer o calor sob o sol escaldante ao pé das falésias, nos
revigorávamos no verde mágico do mar cristalino que parecia reconhecer
nossos corpos e almas de tempos passados. Após os mergulhos,
caminhávamos de mãos dadas sobre a areia fina, vislumbrando outros
deleites à beira-mar, enquanto um vento sobrenatural nos regalava o
tempo presente.
Texto arrastado do livro "ARRASTÃO DE TEXTOS - Ficção de
Verdade(s)",
publicado pela 7Letras Editora/RJ
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
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