Sou cearense dos Grupos Escolares Elvlra Pinho e dos Merceeiros;
passeador em lombo de jumento calejado nas romarias a Canindé;
frequentador de sessões matinais no Cine Rex e de
matinées com
seriados do Batman e do Super-Homem nos Cines Moderno e Majestic.
Ginasiano do Colégio Lourenço Filho graças ao primeiro lugar
obtido no Exame de Admissão com direito a fotografia e historieta em
jornal; bisbilhoteiro da Livraria Alaor, da Casa Juvenal Galeno na rua
General Sampaio, do Teatro José de Alencar e, acompanhado de meu pai,
dos salões da antiga e extinta sede da Phoenix Caixeiral, onde havia
encontro dominical de leiloeiros, colecionadores de peças e moedas
antigas, de selos postais, e disso e daquilo outro que o tempo levou.
Leitor curioso do jornal
O Unitário; perambulante das
Praças do Ferreira, do Carmo, e da Sé; presenteador de picolés às
namoradeiras pra lá de assanhadas na Sorveteria Figueiredo - bem no
canto da frondosa rua Senador Pompeu com a garbosa av. Duque de
Caxias.
Peladeiro com bola de meia nas calçadas da rua Pedro I
e com bola de borracha na Praça da Bandeira; caçador implacável com
baladeira artesanal e pedrinhas de piçarra: de sanhaçus, sibites,
rolinhas “caldo de feijão”, “fogo-pagou" e tijubinas rastejantes nas
margens do Rio Cocó. Andarllho sobre quebra-mares desde a Praia de
Iracema ao Mucuripe alternando areais, dunas e coqueirais; olheiro
entusiasta das jangadas artesanais nas mãos dos jangadeiros
tradicionais com seus samburás, toaçus e araçangas a oferecer cavalas,
garoupas, ciobas, ariacós e lagostas recém-pescados no mar de
esmeralda. Apanhador furtivo - ou em bandos de moleques - de abius,
sapotis, seriguelas, cajus, atas, goiabas, cajaranas, pitangas nos
terrenos baldios do bairro da Aldeota, Porangaba, ou até mesmo da orla
marítima.
Frequentador da missa dominical, manhã muito cedinho,
na Igreja de São Bernardo, esquina das ruas Senador Pompeu e Pedro
Pereira, onde meu irmão caçula, Nonô, paramentado de Coroinha era
ajudante da missa e, muitas vezes, mais que isso, pois se transformava
em espécie de anjo da guarda ao socorrer meninas-moças que, de pé ou
ajoelhadas, desmoronavam ("piloravarn" como se dizia naqueles tempos)
no chão bruto, vitimadas pelo longo jejum obrigatório, na época, antes
do ato da comunhão.
Já disse isso, falado, escrito, cantado,
chorado e copiado, mais de mil vezes: "Saí do Ceara no dia 09 de
dezembro de 1956, em um voo pinga-pinga do extinto Lóide Aéreo
Nacional rumo ao Rio de Janeiro, mas o Ceará nunca saiu de mim!"
Texto arrastado do livro "ARRASTÃO DE TEXTOS - Ficção de
Verdade(s)",
publicado pela 7Letras Editora/RJ
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
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