16/04/2023
Ano 25 Número 1.314
ARQUIVO
CARLOS TRIGUEIRO |
Sou amazonense dos igarapés, batelões, barrancos
e igapós; roedor de pupunhas, buritis e tucumãs;
aprendiz de pescador de jaraquis, sardinhas,
piramutabas, tambaquis, curimãs e tucunarés;
comedor de biribás derrubados com varas
improvisadas ou pedradas de mão cheia; chupador
de nacos de ingá, marimari e biribás apanhados,
partidos ou cortados do jeito da vez; raspador
da polpa de cupuaçus e cacaus nos quintais do
bairro de São Raimundo.
Apreciador de
tambaqui moqueado, catador de ovos de tartarugas
e tracajás nas margens dos igarapés, apreciador
de mingau de caribé e de pirarucu assim ou
assado; artesão-mirim de curicas, papagaios,
pipas, arraias, cerol, maçaroca e rabiolas;
passageiro de rede ou sem rede em convés de
navio-gaiola ou batelão no baixo rio Solimões,
acompanhando, no balanceio das naves, o voo dos
socós, garças, nambus e arirambas explorando
canaranas.
Admirador da imponência
secular do Teatro Amazonas por dentro e por
fora; passeador da Praça da Saudade, dos
entornos do quartel que abrigava o 27º Batalhão
de Caçadores do Exército, do coreto na Praça da
Polícia Militar, das calçadas do Clube Rio
Negro, dos uniformes empolados que o Colégio Dom
Bosco adotava para os seus alunos.
Passageiro de bonde domingueiro, meninote
curioso e deslumbrado sobre o ranger dos trilhos
que, na mente infantil daqueles tempos,
salpicavam de magias o bairro de Flores e
traziam a lonjura do “Parque 10 de Novembro” ao
alcance das traquinagens próprias da idade.
Alfabetizado nas páginas do extinto Jornal
do Commercio estendidas pelo chão, aprendiz de
remador e canoeiro nos igarapés pelas bandas do
Careiro, Curari e Manacapuru; ouvinte do chiado
de macacos guaribas rodeando as matas vizinhas
ao povoado do Manaquiri.
Sonhador em rede
avarandada e coberta por mosquiteiro artesanal
nos barrancos de Parintins; frequentador da casa
número 9 da Vila Ninita, onde viviam os longevos
avós Trigueiro, ladeando o Palácio Rio Negro,
construções hoje tombadas pelo Patrimônio
Histórico.
Passeador curioso no cais
flutuante projetado com a engenhosidade secular
dos ingleses no porto e ancoradouro de Manaus e
que, por costume, sabedoria, orgulho, admiração,
imitação ou arremedo, chamávamos de Manaus
Harbour, em inglês caboclo bem entoado, com
vogais abertas, vaidade matuta, saudando, na
época, o maior porto fluvial do planeta.
Texto arrastado do livro "ARRASTÃO DE TEXTOS
- Ficção de Verdade(s)", publicado pela
7Letras Editora/RJ.
(RT,1º de fevereiro/2018)
CooJornal nº 1.063
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias". Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
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