Contratei o autor brasileiro C.P.D. para escrever as orelhas
(aliás, badanas, como se diz em Portugal) deste meu livro. Embora o
extraordinário historiador, ensaísta e ficcionista continue apontado por
seus milhares de leitores e admiradores nas redes sociais para ganhar o
Prêmio Nobel de Literatura, o cearense pai-d’égua permanece desconhecido,
preterido ou ignorado – entra ano e sai ano – pelos patrocinadores daquela
suprema distinção literária.
Quanto ao nosso contrato particular
sucedeu algo impensável. Finda a incumbência de escrever as orelhas, e
tendo-as revisadas, prontas e engatilhadas para enviar-me por e-mail
particular, C.P.D. verificou embasbacado que, de repente, o texto
desapareceu por completo dos arquivos e tela do seu computador.
Pior: também constatou, incrédulo e desapontado, o sumiço das respectivas
cópias de segurança efetuadas por aplicativos de última geração
considerados infalíveis por seus fabricantes. Ainda atônito, concluiu ter
sido alvo de hackers dedicados aos terrenos da Literatura e nuvens da
Cibernética. Tristemente, compreendeu ter sido mais uma vítima irreparável
do crime pós-moderno que assola todos os quadrantes do planeta: o arrastão
tecnológico.
Diante disso, C.P.D. comunicou-me por telefone
celular (ou telefone móvel, como se diz em Portugal), a inesperada invasão
criminosa e, em consequência, pra lá de aperreado e enfastiado, sua
renúncia contratual para apresentar este “ARRASTÃO DE TEXTOS” nas orelhas
de praxe. Porém, cabra pai d’égua não vai pra tipoia (rede de dormir, como
se diz no Ceará), depois de entregar o ouro ao bandido. Pensou, pensou,
repensou, e, finalmente, tratou de me repassar sua ideia sem rodeios nem
presepada.
Pensado, dito, e feito: C.P.D. convenceu-me de que eu
mesmo improvisaria o texto das orelhas, escrevendo e arrastando-o da capa
para o miolo do livro – tal como agora exibido nestas páginas – por julgar
a ideia não só engenhosa mas também coerente com [T1] os artifícios
fraudulentos, estratagemas, venalidades e ladroagens sistêmicas no Brasil
desde o Tratado de Tordesilhas em 07.06.1494, ou mesmo antes disso, pois a
data do Descobrimento em 22.04.1500 foi registro dissimulado para atender
interesses da coroa lusitana, conforme argumentam alguns renomados
historiadores, visto que vários navegadores lusos e de outras
nacionalidades já conheciam há tempos a existência do imenso território
brasileiro.
A propósito dessas incontestáveis fraudes históricas,
C.P.D. citou trechos proféticos do Padre Antônio Vieira (1608/1697)
proferidos na homilia que ficou conhecida como “Sermão do Bom Ladrão”, na
Igreja da Misericórdia de Lisboa, em 1655, perante o rei D.João IV, a
corte real, juízes, ministros, conselheiros e os maiores dignitários do
reino.
Naquela oportunidade, contrariando princípios regimentais e
sacros da Ordem Jesuítica, Padre Vieira criticou os que se serviam da
máquina pública para enriquecer ilicitamente, denunciou os escândalos do
governo, a apropriação incontrolável das riquezas ilegais dos governantes
através de meios espúrios, gestões fraudulentas, artifícios venais de toda
ordem – as propinas daquele tempo – e que a seguir salteadamente
resumimos.
Padre Antônio Vieira:
“... não só do Cabo da Boa
Esperança para lá, mas também da parte de aquém (Vieira referia-se às
terras brasileiras)..., conjugam o verbo rapio (roubar) por todos os
modos... indicativo, imperativo, mandativo, optativo, conjuntivo,
permissivo, infinito... Estes mesmos modos conjugam por todas as
pessoas... Furtam por todos os tempos... presente, pretérito e futuro... e
não lhes escapam os imperfeitos, perfeitos, mais que perfeitos e quaisquer
outros, porque furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar
mais, se mais houvesse...”. ”... O resumo de toda esta rapante conjugação
vem a ser o supino do mesmo verbo: a furtar, para furtar.”
Isto
posto, passemos logo à leitura das páginas a seguir, antes que as
profecias do Padre Antônio Vieira se cumpram também na Literatura do nosso
tempo, e, sabe-se lá, o miolo deste livro sofra um arrastão corrupto sob a
égide oficial e irrefreável da atual patifaria que rege o sistema
político-econômico brasileiro, e estes textos embarquem em mochila de
deputado corruptor e desembarquem em gabinete de senador corrompido, ou
imóvel alugado para depósito de caixas, maletas e sacos recheados de
propinas. Claro que, a nível popular, os textos poderiam ser arrastados
sob o grito peculiar dos facínoras: “Perdeu!”.
Sim, mano: perdeu!
Na subida ou descida, no plano, na mão direita, mão esquerda, ou na
contramão – fuzil daqui, fuzil dali, tiro pra cá e acolá, sem choro nem
vela – sob a inoperância do Governo em quaisquer instâncias. Sim, perdeu!
Perdeu sob o descaso às instituições vigentes e descrença nas forças
públicas. Sim, perdeu! Perdeu sob a morosidade secular e complacência
proverbial dos representantes da Justiça que ao abrigo paradisíaco de
salários e regalias estratosféricos aplicam punições frouxas,
extemporâneas e desproporcionais aos delitos: castigos risíveis em
delegacias policiais, cadeias, penitenciárias, rodovias, praias, morros,
trilhas, escolas, esquinas e grotas do Inferno, mas que sobrevivem
altaneiras em nosso mofado Código Penal.
(1º de fevereiro/2018)
CooJornal nº 1.063
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
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