16/07/2023
Ano 25 Número 1.328
ARQUIVO
CARLOS TRIGUEIRO |
(Conversa de jovem leitora com antigo
livreiro no Rio de Janeiro)- Arrastado da
Revista eletrônica Rio Total/CooJornal, editada
por Irene Serra em 15-11-2017,
antecipando a publicação neste “Arrastão de
textos”.
– Oi, aliás... Boa tarde!
Vocês têm aí o Retrato do Brasil, do Paulo
Prado, o aristocrata intelectual da Semana...?
– Acho que ainda temos sim, senhorita,
talvez dois ou três exemplares. Desgraçadamente,
a realidade que está aí ofuscou o Retrato.
– Por curiosidade, que tipo de livros atrai
os leitores atualmente?
– Livros de
ficção estrangeira, claro! Também há procura por
livros de autores nacionais de não-ficção mas
que mentem!
– Será que eu entendi bem?
Livros de autores nacionais de não-ficção mas
que mentem têm procura?
– Isso mesmo.
Ficção e realidade no Brasil de hoje se
confundem. As pessoas estão dessensibilizadas,
pois o absurdo está em toda parte! Então, os
leitores de livros de autores nacionais preferem
assuntos de não-ficção mas que mentem!
–
Mas o que será que as pessoas buscam nesses
livros de não-ficção que mentem?
– Num
país incerto até nas dimensões geográficas e que
durante séculos foi desvinculado de qualquer
sentimento nacionalista, histórico e político,
formado por estrangeiros e aventureiros que se
acasalavam com índias, escravas africanas ou
serviçais lusitanas, as pessoas que vivem o
presente precisam de certezas, imploram por
isso. Nesses livros mentirosos, durante alguns
momentos, digo, algumas páginas, as pessoas têm
certeza de que só há mentiras!
– Mas e o
nosso presente, digo, a realidade nacional com
essa corrupção política e econômica viralizadas?
E cadê o papel da imprensa sobre tudo isso? Cadê
a crítica à realidade comportamental e sobre a
depravação dos costumes? Cadê o resgate
histórico, pelo menos dos últimos cem anos? Cadê
a reação moral contra a globalização cultural e
viral trazida pela tecnologia? Por que o
Congresso não aprova a criação de um novo Código
Penal para adequar suas frouxas penalidades à
violência desenfreada atual? O nosso Código
Penal é de 1940! E parece feito para uma
civilização superior, para um país escandinavo,
ou pra Suíça, Japão, Canadá...
– São
assuntos que despertam parco interesse aos
poucos leitores, pois já sabem disso pelos
telejornais, pelas redes sociais nos celulares,
e na internet... Já se acostumaram... Faz parte
do dia a dia... E quanto ao nosso Código Penal,
claro, está mais do que mofado..., tanto quanto
o nosso Congresso...
– Mas isso é um
atestado de decadência social, ética e moral!
– Espere aí! Mas é por isso que os leitores
que entram aqui procuram a ficção estrangeira!
Apesar de ficção, são histórias contadas sem os
venenos da hipocrisia moral, do atraso social,
da corrupção institucionalizada, da violência
desenfreada e sem castigos... Bem, é o que
dizem...
– Mas isso é desanimador! Sou
autora brasileira! Levei dez anos pesquisando a
poemática nacional genuína: raízes sertanejas,
interioranas, costumes e expressões indígenas,
crenças dos escravos africanos, caboclismos,
manhas de tabaréus, de arigós! Desse jeito,
vamos ter que procurar outro país, outra
cultura, outra língua! – Talvez outra
realidade! Talvez a realidade dos poetas!
– Nesse caos brasileiro que acabamos de
comentar, o senhor vê algum futuro para a poesia
nacional?
– Li numa revista literária que
toda poesia está fadada a ser coisa de
colecionadores. E seu status de produção
artística será reduzido a algo parecido à
filatelia, numismática, ou taxidermia de rimas e
metáforas...
– Taxidermia de metáforas?
Mas a metáfora é um dos expoentes da
inteligência humana! Está nas paredes dos homens
das cavernas, nos hieróglifos e tumbas egípcios,
nos livros dos cantares chineses de 3.000 anos
antes de Cristo, na eloquência pré-islâmica dos
persas, na identificação greco-romana da arte
verbal! Que acontecerá com os sonhos, a magia
dos amores, os mistérios da alma?
– Bem,
a senhorita entrou aqui procurando o Retrato do
Brasil do Paulo Prado, um retrato centenário, e
descambou para um assunto que não tem tamanho...
Mas vou dar uma sugestão: para encontrar o atual
e genuíno Retrato do Brasil baixe o aplicativo
“Os Três Poderes Invencíveis” que é utilizado
por todos os nossos congressistas,
representantes políticos em Brasília, e, p.f.,
apague a nossa conversa gravada no celular
dentro da sua bolsa importada!.
(15 de novembro/2017)
CooJornal nº 1.053
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias". Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
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