Carlos Trigueiro
ARRASTÃO de MEMÓRIAS PRIMITIVAS
(Texto arrastado de meu primeiro livro: MEMÓRIAS DA LIBERDADE, 1985,
Editora Achiamé, Rio de Janeiro/RJ)
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Comento o que passa, pode passar, já passou, não passará. Janela
virtual que enquadra o espaço, arredonda passagens, embarca o tempo, salta
estações, retira bagagem: entre as minhas imagens imorredouras estão as
janelas.
Primeiro, o esforço que fazia na ponta dos pés para
ganhar alguns centímetros e ter a linha da vista sobre os balcões. Um ano
ou um palmo depois conseguia divisar as estacas limítrofes do nosso
quintal, os embuás se enrodilhando na terra, e lagartas esverdeadas
sanfonando o corpo no tronco dos mamoeiros.
Com os olhos e pelas
janelas fiz minhas primeiras excursões. Acompanhava, de longe, a evolução
das borboletas amarelas (como nunca mais vi) sobrevoando os quintais;
tentava decifrar a forma das nuvens até a vista cansar; navegava em cascas
de ingá que desciam nas enxurradas caudalosas junto ao parapeito.
Pelas janelas entravam o sorriso do sol diariamente e as broncas das
trovoadas de vez em quando. E tinham estranha magia: quando o mundo
terminava lá fora, fechavam as janelas.
No outro dia, abriam as
janelas de novo.
E o mundo recomeçava.
(1º de novembro/2017)
CooJornal nº 1.051
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
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