01/10/2024
Ano 27 Número 1.385
ARQUIVO
CARLOS TRIGUEIRO |
(Final da Entrevista à Oleg Almeida) publicada nas Revistas digitais:
“EisFluências” (Ano
V, nº XXX, Lisboa/Portugal e Recife/Brasil, agosto/2014), GERMINA/Literatura
(Volume 10, nº 2, agosto/2014, Brasil), RIOTOTAL (Ano 18, nº 913, Nov. 2014,
Brasil) e no BLOG do GALENO, 2014.
OA: Numa das suas
entrevistas você diz: “Se pudesse voltar ao passado e primeiro livro, não
assinaria Carlos Trigueiro e, sim, algo como Karlowz Tryghwro, pois a
preferência brasileira (...) prima por autores com Y, K e W no nome”. Seria
monstruoso, se não fosse verdade, não é? Como explicaria tal desinteresse pela
literatura nacional? Por que o princípio de que “tudo quanto vier de fora é
melhor” está tão difundido, se não dominante, no meio dos leitores?
CT:
Essa pergunta é uma bomba atômica sobre o ”cartel” –– aqui um eufemismo de
“quadrilha” que domina a produção, distribuição e marketing dos produtos do
nosso parque editorial. Basta ler a lista dos livros mais vendidos em qualquer
veículo da mídia: há raríssimos livros de autores nacionais, principalmente na
Ficção, a menos que seja de autor vinculado ao ramo artístico e já tenha
projeção nacional nas mídias e TV principalmente. Creio que, além do
mencionado, de sermos compradores de direitos autorais literários em vez de
vendedores, essa situação contém ainda fatores marcadamente culturais. No
século XIX, Machado de Assis, por exemplo, ironicamente e bem ao seu estilo,
descrevia a curiosidade (de quem recebia) sobre a procedência dos chapéus
masculinos (com selo estrangeiro ou nacional no lado interno da aba dos
chapéus) entregues na entrada das mansões que promoviam festas. Nelson
Rodrigues, já no século XX, por sua vez, espicaçava o “nosso complexo nacional
de vira-latas” em suas crônicas nos jornais. Só a partir da segunda metade do
século XX, em atividades como no futebol ou na música popular, houve uma
espécie de reconhecimento nacional –– pelos brasileiros –– de que algo
produzido no Brasil pode ser bom.
Historicamente, o império português
implantou no Brasil uma colonização coletora de produtos naturais (pau-brasil,
ouro, pedras preciosas, etc.) e, mesmo depois do ciclo da cana-de-açúcar,
impedia qualquer tipo de indústria de bens no Brasil. Vinha tudo da metrópole,
produzido lá ou nos países aliados da coroa lusitana, principalmente do
Império Britânico. Exemplo banal: no Teatro Municipal do Rio de Janeiro,
inaugurado em 1909, mais ou menos nos moldes da “Comédie Française” e que
dentre outros produtos estrangeiros ali instalados, ainda hoje estão as louças
sanitárias dos banheiros masculinos –– produzidas na Inglaterra. De um modo
geral, essa espécie de “síndrome do estrangeiro” parece haver deixado no
inconsciente coletivo do brasileiro essa deformação cultural –– “produto
nacional” é inferior ao “produto estrangeiro” –– e isso se vê ainda hoje em
vários ramos industriais, como na indústria vinícola (apesar de termos ótimos
vinhos brancos e espumantes).
Por outro lado, nossa classe política
eternizou a herança cultural recebida das donatarias portuguesas dos séculos
XV e XVI, e permanece até hoje defendendo seus interesses econômicos grupais,
familiares, cartoriais, como se o continental Brasil fosse uma aglutinação de
feudos, e assim prossegue indiferente à institucionalização da educação como
motor de desenvolvimento nacional e de afirmação do país como civilização
tropical. Esses aspectos culturais estão bem delineados no ensaio O Jeito
Brasileiro: um fenômeno cultural que publiquei nas revistas acadêmicas
(DeSignis) da Argentina, com distribuição no mundo acadêmico de língua latina
e em ROMANCE NOTES (Univ. da Carolina do Norte) dos Estados Unidos com
distribuição em outros países. Nossa classe política permanece comprando com
artifícios baratos e eleitoreiros, do tipo “bolsa família”, “cotas raciais em
universidades,” “serviços públicos” e em outras atividades, a consciência
pensante da grande massa populacional, tal qual faziam os primeiros colonos
portugueses ao comprar com “colares de pedras de vidros coloridos –– as
miçangas” –– as terras imensas, os rios caudalosos e as matas férteis e
naturais dos índios brasileiros.
Esse desinteresse da classe política
brasileira pela educação (sem falar em Saúde Pública, Saneamento, Transporte
Público, malhas rodo e ferroviária, etc.) se reflete negativamente no
comportamento violento da população. Mais de 56.000 pessoas foram assassinadas
em 2012 segundo dados oficiais, ou seja, um número de mortes equivalente ao de
uma guerra como a da Chechênia que durou de 1994 a 1996, por exemplo. Nossa
classe política, deliberadamente, institui ou promulga leis frouxas e
extemporâneas quanto às penalidades destinadas aos criminosos –– já que muitas
vezes os facínoras podem ser eles mesmos: os políticos. Mas, na verdade, tudo
isso decorre do desleixo deliberado quanto aos investimentos no conhecimento,
na educação, nos aspectos civilizatórios.
OA: Qual é, a seu ver, o
futuro das belas letras no mundo? A literatura séria sobreviverá ao dilúvio de
escritos vampirescos e afins ou acabará indo a pique?
CT: Bem, As Mil e
uma Noites, A Ilíada e A Odisseia, Édipo Rei, A República, Dom Quixote, Os
Lusíadas, Guerra e Paz, Madame Bovary, Romeu e Julieta, A Comédia Humana,
estão aí mesmo, apesar de escritos já se vão muitas gerações. Penso que os
“modismos” vampirescos, tal como aconteceu com os do Tarzan, da família
Marvel, do Batman não se perpetuarão nos moldes da “grande literatura”. O
“consumismo” literário capitalista visa o entretenimento passageiro e está
fortemente ligado aos interesses da mentalidade lucrativa, enquanto que a
grande literatura, de uma forma ou de outra, questiona e desmascara as
limitações e os sofrimentos humanos –– dentre tantos, o martírio da própria
consciência quanto à constatação de sua temporalidade face à eternidade
universal, e a angústia de sermos imperfeitos, frágeis, corruptíveis, efêmeros
e miseravelmente transitórios, ou seja: mortais.
OA: Seu recente livro
Meu brechó de textos contém algumas obras chamadas de “poemas de segunda mão”.
Poderia comentar um pouco sobre o papel que a poesia desempenha em sua vida?
Não é porventura um poeta em potência?
CT: Meu poetar foi sempre
caseiro, doméstico. Só muito recentemente tive coragem de desengavetar alguns
poemas antigos e publicá-los em coletâneas. Um dos responsáveis por isso foi o
poeta Affonso Romano de Sant’Anna que ao ler meus livros de Ficção, em prosa,
me escreveu dizendo que os meus textos continham “densidade poética sem
pieguismo e que, com certeza, eu deveria ter poemas escondidos e engavetados.”
(sic).
OA: O que significa escrever para você: cumprir uma missão,
submeter-se a um impulso incontrolável ou simplesmente passar o tempo como lhe
aprouver?
CT: Nisso, não sou nada original, aliás, sou totalmente
adepto do pensamento de Ernesto Sábato: “O escritor é testemunha do seu tempo,
de seu drama consciente face às imperfeições dele próprio, da sua solidão e
dos desconcertos do mundo ao redor. São mártires de uma época e não escrevem
com facilidade, mas com dilaceramento”.
OA: Que conselhos você poderia
dar aos escritores iniciantes, a quem aspira, de certo modo, a seguir seus
passos? Vale a pena um jovem de hoje se dedicar à escrita literária ou é mais
prático e seguro optar, por exemplo, pelo serviço público?
CT:
Escrevam, reescrevam e recomecem o que reescreveram. O serviço público, no meu
caso, me proporcionou oportunidades de sobreviver economicamente, de constatar
os desconcertos do mundo através de experiências de vida no País e no
Exterior, mas foi um caso fortuito, um ponto fora da curva. Importante é não
esquecer que fazer literatura maiúscula pode conter um poder catártico além do
testemunhal (como dizia Sábato) e ainda o toque mágico para o renascimento do
Eu profundo e dos outros eus –– como na obra de Fernando Pessoa e seus
heterônimos. Enfim, o fazer literário é o relato de antigos ou permanentes
martírios do escritor pela voz e visão sarcásticas dos seus fantasmas.
OA:
Muito obrigado pela sua entrevista. Espero que nossos leitores a tenham achado
interessante. Se, pelo menos, alguns deles forem atrás dos seus livros,
procurarem conhecê-los melhor, a nossa tarefa comum será cumprida. Não é
mesmo, amigo?
Resumos biográficos:
Carlos Trigueiro (fonte:
www.carlostrigueiro.art.br): Nasce em Manaus (AM), no dia 28 de fevereiro de
1943, filho de Asteclíades Henriques Trigueiro, músico, mestre de Banda da
Polícia Militar amazonense, e de D. Solange Sampaio de Farias Trigueiro. Desde
cedo viaja pelo médio e baixo Rio Amazonas, vendo contrastes: de um lado, a
exuberância das águas e floresta, de outro a vida carente dos ribeirinhos,
constatações que, mais tarde, o influenciariam como nostálgico memorialista.
Em 1951, muda-se para o Ceará e reside em Fortaleza até 1956. De meninice
livre, ora se aventura pelas dunas e falésias, ora adentra o agreste, e mais
longe, pisa o sertão. Testemunha outros contrastes: a miséria dos retirantes e
a opulência dos coronéis. Aos dez anos, ganha, como prêmio escolar, o livro As
aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, obra que o iniciará no gosto pela
Literatura. Em 09.12.1956 deixa o Ceará e vai para o Rio de Janeiro. Ainda
menor, trabalha num sanatório para custear seus estudos. Em 1964 ingressa no
Banco do Brasil. Em 1969, gradua-se em Administração Pública na Fundação
Getúlio Vargas. No biênio 1973/74 cursa pós-graduação em Disciplinas Bancárias
na Universidade de Roma (Itália) e, ao retornar ao Brasil, começa a colaborar
esporadicamente em jornais sobre temas socioeconômicos. Entre 1980 e 1996,
vive em Madri (Espanha), Macau (China), Roma (Itália), e Chicago (EUA). Em
1996 aposenta-se no Banco do Brasil. Começa a escrever exclusivamente ficção.
Recebe o Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de
Letras/União Brasileira de Escritores, para O Livro dos Ciúmes (Editora
Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2006), categoria romance, para O
Livro dos Desmandamentos (Editora Bertrand Brasil).
Oleg Almeida
(fonte: https://sites.google.com/site/olegalmeida): Nascido na Bielorrússia em
1971, Oleg Almeida é poeta e tradutor, sócio da União Brasileira de Escritores
(UBE/São Paulo), colaborador das mídias impressas e eletrônicas. Autor dos
livros de poesia Memórias dum hiperbóreo (2008), Quarta-feira de Cinzas e
outros poemas (2011) e Antologia cosmopolita (2013) e de numerosas traduções
do russo (Diário do subsolo, O jogador e Crime e castigo de Fiódor
Dostoiévski; Pequenas tragédias de Alexandr Púchkin; Canções alexandrinas de
Mikhail Kuzmin) e do francês (Pequenos poemas em prosa de Charles Baudelaire;
Os cantos de Bilítis de Pierre Louÿs).
Extraído do livro "HISTÓRIAS TIPO ASSIM:
WHATS-au-au-APP", selo IMPRIMATUR, Ed. 7Letras.
Comentários sobre o texto podem ser encaminhados ao autor, no email
carlostrigueiro28@gmail.com
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias". Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
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autor.
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