01/09/2024
Ano 27 Número 1.381
ARQUIVO
CARLOS TRIGUEIRO |
Continuação da entrevista à Oleg Almeida publicada nas Revistas digitais:
“EisFluências” (Ano
V, nº XXX, Lisboa/Portugal e Recife/Brasil, agosto/2014), GERMINA/Literatura
(Volume 10, nº 2, agosto/2014, Brasil), RIOTOTAL (Ano 18, nº 913, Nov. 2014,
Brasil) e no BLOG do GALENO, 2014.
OA: De 1980 a 1996 você morou no exterior. O que resultou da sua
passagem por países tão dessemelhantes como a Itália e a China: a evolução de
sua obra para o lado cosmopolita ou, quem sabe, a redescoberta do Brasil
visto, de longe, com outros olhos?
CT: Já havia estudado em Roma
(Itália) no biênio 1973/74, como bolsista metade do Banco do Brasil e metade
do Governo italiano. Depois, entre 1980 e 1996, vivi e trabalhei em Madri
(Espanha), Roma (Itália), Macau (China) e Chicago (EUA). Foram experiências
notáveis, inclusive porque o primeiro impacto pessoal que sofri entre culturas
tão diversas, apesar de ter algum conhecimento técnico, foi o reconhecimento
da minha ignorância artística, musical, histórica e mesmo literária. A
oportunidade de pisar em solos históricos da Europa e do Oriente, de visitar
museus como o Prado, o Louvre, o Vaticano, a Academia de Artes de Florença, o
Instituto de Arte de Chicago, ou caminhar sobre as ruínas milenares do Império
Romano, reviver a hegemonia ibérica medieval, e sentir a milenar cultura
chinesa nas crendices do dia a dia. Assim, no plano literário, acho que, para
um espírito observador, seria inevitável adquirir uma visão cosmopolita da
aventura humana. Claro que tudo isso me proporcionou comparações com a cultura
brasileira e, depois, transpareceu direta ou indiretamente nos meus textos.
OA: Quem é Carlos Trigueiro antes de tudo: contista de
Confissões de um anjo da guarda ou romancista de Libido aos pedaços?
Qual é seu gênero preferido?
CT: Penso que sou os dois, ou até
mais que isso, pois ainda me arrisco na poesia, tendo alguns poeminhas
publicados em coletâneas brasileiras e portuguesas. De todo modo, eu fico mais
à vontade na brevidade do conto.
OA: Diversos críticos percebem
nos seus textos, onde os entes sobrenaturais atuam ao lado das pessoas comuns,
traços característicos do dito realismo fantástico. Você concorda com eles? Ou
talvez esteja contra todos aqueles rótulos que se costuma pôr em obras de
ficção e seus autores?
CT: Gosto do chamado “realismo
fantástico”. Tem a ver com os meus devaneios, com as minhas experiências de
vida em várias culturas e mundos diferentes, e, sobretudo, com a constatação
da nossa fragilidade humana impressionável, de natureza misteriosa aqui e
corruptível ali, inconformada com a nossa infelicidade metafísica, com a
consciência da mortalidade da carne – no dizer de Sábato – e de sermos meros
figurantes – insignificantes e infinitesimais – soprados e levados pela poeira
cósmica.
OA: Seus livros parecem bem diferentes entre si no que
diz respeito ao conteúdo e, não raro, à construção estilística. Há, todavia,
um tema principal, uma ideia abrangente que os perpassa, uma espécie de “marca
registrada” de Carlos Trigueiro?
CT: Meus livros são mesmo
diferentes um do outro, ainda que o estilo seja aqui e ali mais ou menos
identificável. Na trilogia da feiura, com O Clube dos Feios (feiura
estética), O Livro dos Ciúmes (feiura sentimental) e O Livro dos
Desmandamentos (feiura social e política do Brasil) esse aspecto apareceu
claro ao crítico e poeta Ivo Barroso, por exemplo, que identificou nessas
obras um fio condutor, ou seja, “o corte visceral das misérias humanas”. Por
outro lado, o crítico, escritor, ator e cineasta W. J. Solha identifica na
minha obra certo espírito “machadiano” quanto ao estilo irônico e repetitivo
de palavras na feitura de alguns textos. O poeta e crítico Affonso Romano de
Sant’Anna registrou densidade poética nos meus textos, bem como uma carga
dramatúrgica nos meus romances. Já a professora Monica Rector – da
Universidade da Carolina do Norte/EUA – em um longo ensaio na Revista TALLER
DE LETRAS, da PUC de Santiago/Chile – diz que meus contos em O Clube dos
Feios parecem parábolas, têm conteúdo moral e revelam a universalidade dos
sentimentos do homem.
OA: Em 1995 seu livro O clube dos feios
e outras histórias extraordinárias entrou no catálogo da distribuidora
nova-iorquina Luso-Brazilian Books, espalhando-se, a partir dali, pelas
universidades e bibliotecas dos Estados Unidos. Foi um verdadeiro salto
qualitativo ou apenas uma daquelas oportunidades fortuitas que o fado nos
oferece de vez em quando?
CT: Acho que foi um desguio do
destino. De repente, o livro foi parar em várias bibliotecas universitárias
norte-americanas, talvez pelo título, talvez pelo conteúdo de “histórias
extraordinárias”, talvez porque professores brasileiros de Literatura latina
em universidades americanas conheciam bem o livro e alguns também o autor. E o
conto O Clube dos feios foi tema de palestras em universidades. O conto
Associação dos indivíduos de apelido Cheong, por exemplo, foi publicado
na revista literária “The America’s Review” da Universidade de Houston
(Texas), com tradução para o espanhol pelo editor, na época, Mario Flores.
Também me impressionou o interesse norte-americano quanto ao O Livro dos
Desmandamentos que passou a constar do acervo da Biblioteca do Congresso
dos EUA, e, ali, ter uma resenha oficial que diz sobre a obra: “importante
ferramenta não oficial para entender a realidade sociocultural e política do
Brasil”. Mais tarde, a Revista literária METAMORPHOSES, periódico do Smith
College da Universidade de Massachusetts, publicou capítulos agrupados do
mesmo livro e com tradução de Clay Resnick. (Continua...)
Extraído do livro "HISTÓRIAS TIPO ASSIM:
WHATS-au-au-APP", selo IMPRIMATUR, Ed. 7Letras.
Comentários sobre o texto podem ser encaminhados ao autor, no email
carlostrigueiro28@gmail.com
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias". Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
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