Entrevista à Oleg Almeida publicada nas Revistas digitais:
“EisFluências” (Ano
V, nº XXX, Lisboa/Portugal e Recife/Brasil, agosto/2014), GERMINA/Literatura
(Volume 10, nº 2, agosto/2014, Brasil), RIOTOTAL (Ano 18, nº 913, Nov. 2014,
Brasil) e no BLOG do GALENO, 2014.
“Foi a escritora Cida
Sepulveda, minha amiga de longa data, quem me apresentou Carlos Trigueiro. “É
um cara fantástico” – disse-me ela. – “Que pena a imprensa lhe dar pouco
espaço”. Conseguindo na Internet os dados biográficos desse autor, fiquei um
tanto desconfiado. “Estudou Administração Pública na Fundação Getúlio
Vargas... Trabalhou no Banco do Brasil... Fez uma pós-graduação em Disciplinas
Bancárias na Universidade de Roma... Abordou diversos temas socioeconômicos em
seus artigos...”. E daí, perguntei a mim mesmo, o que é que esse currículo
tradicional de um economista tem de tão extraordinário assim?
Comecei a
folhear o romance Libido aos pedaços, recém-lançado pela Editora Record
(2011), e minha opinião sobre Carlos Trigueiro mudou, quase de imediato, da
água para o vinho. À medida que lia sua prosa arguta, inteligente, bem
persuasiva na captura dos mais finos matizes da psique humana e, ainda por
cima, escrita naquele belo português dos tempos clássicos que hoje em dia
parece invulgar, se não exótico, surgia-me vez por outra a impressão de que
realmente o santo de casa não faz milagres.
Cheguei a comprovar tal
hipótese ao conhecer as demais obras de Carlos Trigueiro e, sobretudo, ao
travar uma conversa amigável com ele próprio, esse homem sábio, irônico,
instruído ou, quem sabe, desiludido pela sua vida em que duas atividades
antagônicas, a economia e a literatura, formam um arabesco singular e
harmonioso. Acho que está na hora de compartilhar com nossos leitores o
essencial dessa longa conversa...”
Oleg Almeida: Logo de início farei a
minha pergunta costumeira e mesmo um pouco batida. Quando você resolveu ser
escritor, ou melhor, com que idade é que se interessou pela literatura? O que
queria saber é se foi algo espontâneo – digamos, um sonho ainda infantil que
se realizou – ou uma escolha consciente, amadurecida.
Carlos Trigueiro:
Perfilho a opinião daqueles que dizem que o indivíduo já nasce músico, ou
pintor, ou poeta, ou ator, ou escritor, etc. Porém, se a arte que nasce com o
indivíduo e nele evolui e se expande, e se refina, e se concretiza num patamar
fora do comum, é outra história: depende de muitos fatores. No meu caso nada
extraordinário: tive uma infância livre e rica em variedades de experiências,
desde o contato com a natureza exuberante da floresta e dos rios amazônicos às
brincadeiras com outros molecotes da mesma idade pelos areais, ondas e dunas
das praias cearenses.
Tais encontros somados à impressão que me
causavam os respectivos costumes regionais (dos caboclos e suas canoas nos
igarapés do Amazonas, e dos pescadores, jangadeiros e suas jangadas nos mares
e praias do Ceará, além de sentir de perto a vida no agreste e no sertão,
origens dos meus ancestrais maternos e paternos) cedo despertaram minha
curiosidade para registrar cenários, paisagens, costumes e aventuras.
Acho que comecei a escrever espontaneamente ainda menino, “de” e “na” memória
(tanto assim que o meu primeiro livro foi Memórias da Liberdade), talvez
porque eu não tinha máquina de escrever, ou fotográfica ou filmadora, para
registrar aquelas vivências e emoções. Bastava abrir os olhos e o coração para
o mundo ao redor e percorrê-lo de peito aberto, sem histórico, medos nem
compromissos, tal como no poema Meus oito anos de Casimiro de Abreu: com “pés
descalços, braços nus, correndo pelas campinas, a roda das cachoeiras, atrás
das asas ligeiras, das borboletas azuis”. Enfim, na linguagem dos poetas,
tornar-me escritor foi metade sonho da consciência, metade consciência do
sonho.
OA: Segundo a sua biografia, um dos primeiros livros que
contribuíram para sua vocação vir à tona foi Tom Sawyer de Mark Twain. É
curioso: quando garoto, eu também gostava desse livro... Você poderia citar
outras obras que o influenciaram, de alguma forma, no começo de sua carreira
literária? Não me refiro aos autores que lia então, mas precisamente às obras
que foram importantes para a sua aprendizagem.
CT: O livro As aventuras
de Tom Sawyer, de Mark Twain, publicado em 1876 e lido por mim 77 anos depois,
em 1953, em Fortaleza / Ceará, quando o ganhei como prêmio escolar, foi a
pedra angular dos meus devaneios literários. Muito do livro tinha a ver com o
que eu mesmo vivera e vivia, familiarmente, próximo à exuberância dos rios
(Amazonas, Negro, Tapajós, principalmente) e florestas (Estados do Amazonas e
Pará) nos meus primeiros oito anos de existência. Então, aquele livro foi o
espelho mágico onde me reencontrava e revivia. E foi o primeiro livro não
didático que li e reli vezes sem conta.
Por outro lado, mais que outras
obras literárias, naqueles primórdios –– porque minha família era muito
modesta e não tínhamos livros em casa –– também foram influentes no meu
despertar literário, a música e principalmente as letras dos hinos militares
cantados por meu pai, que era Mestre de Banda militar, bem como os poemas
recitados por minha mãe, sobretudo de um poeta amazonense Hemetério Cabrinha
exaltando a vida e natureza amazônicas, e ainda poemas clássicos de Castro
Alves, Gonçalves Dias, Fagundes Varela, Casimiro de Abreu. Mais adiante,
Filgueiras Lima, poeta cearense, professor e diretor do Colégio Lourenço Filho
onde estudei os primeiros três anos ginasiais (o segundo grau daquele tempo)
também me influenciou no gosto pela Literatura, pois ia de sala em sala de
aula dar avisos escolares e aproveitava para recitar seus poemas –– acho que
para despertar nos alunos a sensibilidade e o gosto pela poesia.
Quanto
às obras que influenciaram meu aprendizado literário, desordenado e
multifacetado, além do Tom Sawyer posso dizer que foram muitas e muitas, mas
até hoje me sinto aprendiz de escritor. No entanto, destaco ainda dentre
outras:
As mil e uma noites; Confesso que vivi (Pablo Neruda);
Baú de
Ossos (Pedro Nava); Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis);
Ana
Karenina (Tolstoi); Três Contos (Flaubert); Crime e Castigo (Dostoievski);
A
idade da razão (Sartre); Novelas exemplares (Cervantes); A consciência de Zeno
(Ítalo Svevo); Os Miseráveis (Victor Hugo); A Metamorfose (Kafka);
Memorial do
Convento (José Saramago); O Eu profundo e os outros Eus (Fernando Pessoa);
A
vida e as opiniões do cavalheiro Tristam Shandy (Laurence Stern); Perto do
coração Selvagem (Clarice Lispector); O Escritor e seus fantasmas (Ernesto
Sábato); Foi assim (Natalia Ginzburg); Os sofrimentos do jovem Werther
(Goethe); Ficções (J. L. Borges); Histórias Extraordinárias (Edgar Allan Poe);
e vários contos de Gorki, Tchekhov, Averchenko e Juan Carlos Onetti. (Continua...)
Extraído do livro "HISTÓRIAS TIPO ASSIM:
WHATS-au-au-APP", selo IMPRIMATUR, Ed. 7Letras.
(Revista
Rio Total, novembro/2014, CooJornal nº 913)
Comentários sobre o texto podem ser encaminhados ao autor, no email
carlostrigueiro28@gmail.com
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias". Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
carlostrigueiro28@gmail.com
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