(5ª Dimensão)
DEFUNTO (Elucubrando...): Se o derrame não tivesse alterado a
minha fala e o tom do meu discurso, gostaria de dizer-lhes que não morri
integralmente, apenas meu mecanismo orgânico e civil parou de funcionar
por falta de oxigenação. Mas a ciência convencional ainda não chegou à
interatividade entre vivos e mortos. E tardará a descobrir que Deus ficou
em dúvida sobre a nossa principal matéria-prima orgânica ser o carbono ou
o silício, pois este é muito mais abundante no Cosmo, embora pese três
vezes mais que o carbono. Tanta erudição, tanto conhecimento científico
nada valem agora.
MARK TWAIN (Vulto falando, ou sabe-se lá...): “É
melhor merecer honrarias e não recebê-las do que recebê-las sem merecer.”.
LAO TSÉ (Vulto falando, ou sabe-se lá...): “Para ganhar conhecimento,
adiciona coisas todos os dias. Para ganhar sabedoria elimina coisas todos
os dias.”.
DEFUNTO (Elucubrando...): Constato que, do ponto de
vista dos vivos acho que morri mesmo! Vejo tudo agora muito claro, porém
não consigo entender a mesmice do cenário. Essa coisa, essa força, alma,
espírito, isso que está saindo do meu corpo bem que poderia dispensar o
Purgatório de plástico made in China e ir para onde todo mundo está indo,
afinal de contas, apesar do dólar caríssimo, Miami, o paraíso das compras,
é logo ali! Por que tenho de continuar nesta merda?
BERTOLD BRECHT
(VULTO FALANDO OU SABE-SE LÁ...): Faz parte da tua expiação. Serás
enterrado nesse teatro de economia emergente e sociedade decadente! Onde
elites corporativas protagonizam a bel-prazer, classes médias nascem
figurantes e morrem na coreografia, nem chegam a antagonistas. Os
sem-terra, sem-ofício, sem-letras, sem-emprego, sem-saúde, sem-transporte,
sem-rodovias, sem ferrovias, sem-energia elétrica, sem-teto e sem-lazer
lamuriam no Coro esperando uma deixa que nunca virá!
DEFUNTO
(Elucubrando...): Quantos figurões mortos e que agora são imortais! Ter
sido dramaturgo no cenário brasileiro me condenaria, no máximo, a uma
hibernação tipo processo judicial sob recursos e embargos sem fim. Exagero
da mãe-natureza dar-me essa espécie de sobrevida para perceber várias
dimensões, e ouvir tanto aos vivos quanto aos mortos. Seria melhor que o
Criador de todas as coisas me castigasse com um tipo de inverno polar e,
depois, me despertasse com a revolução da primavera na Toscana!
BERTOLD BRECHT (VULTO FALANDO OU...): Revoluções têm muito a ver com
crisálidas. Suas forças vivas permanecem latentes o tempo certo, porém,
uma vez deflagrada a fase da paixão transformista, jamais retornam ao
invólucro das aparências.
DEFUNTO (ELUCUBRANDO, OU SABE-se lá...):
“Sou péssimo em metáforas, explica isso aí colega dramaturgo...
BERTOLD BRECHT (VULTO FALANDO OU SABE-SE LÁ...): Algo terrível ainda
acontecerá no teu país, pois, sob impávido patrimonialismo de um lado e
colossal aparelhamento político de baixo ladrão, digo, de baixo calão de
outro, a ordem dos podres, digo, poderes dominantes, é eternizar o atraso,
paralisar ou destruir a ineficiente infraestrutura, sufocar a evolução
institucional, aniquilar de vez os suportes sociais e falir o Estado
financeiro e econômico!
DEFUNTO (Elucubrando): Defuntos deviam ser
apolíticos, não importa se vige no país palavrório de remendos em que
transformaram a Constituição, ou império de favores, ou sodomia política
entre parlamentares, empreiteiros e doleiros. Tampouco se a autoridade
constituída, para revigorar-se de barganhas abomináveis com empreiteiros e
mandachuvas de dezenas de partidos políticos, precise fazer cirurgia
plástica para mudar de fisionomia, ou tratamento para reimplante de
cabelos!
LA ROCHEFOUCAULD: (Vulto falando ou...): Não vale o que
está escrito.
CONTRAVENTORES DO JOGO DO BICHO (VULTOS FALANDO, OU
SABE-SE LÁ...): “Só vale o escrito”.
EVARISTO DA VEIGA (Vulto
declamando, ou sabe-se lá...): ”Já raiou a liberdade no horizonte do
Brasil...”.
OSÓRIO DUQUE ESTRADA (Vulto cantando, ou sabe-se
lá...): “Brasil, um sonho intenso, um raio vívido...”.
DEFUNTO
(Elucubrando): Ouvindo esses vultos dizendo ou recitando tais ideias,
melhor mesmo é me entregar aos sonhos de morto.
CAPISTRANO: (Vulto
falando, ou sabe-se lá...): A última divisão da terra que impactou a
História do Brasil data de 7 de junho de 1494 em Tordesilhas. Ainda vigem,
nesse colosso, capitanias hereditárias e sesmarias dos tempos coloniais,
agora sob outros disfarces e fantasias promovidas a coronelias, ou a
modernas donatarias, procuradorias ou regedorias, provenientes do tráfico
de influências, cartorialismo, fisiologismo político ou da bandidocracia
sindical instalada, feudalismos modernos da ribalta nacional!
MONTEIRO LOBATO: (Vulto falando, ou sabe-se lá...): Dinástica tirania das
elites proprietárias, em conluio com a politicalha no poder, refrata a
noção elementar de que a riqueza social começa pela distribuição da terra,
mas miopia histórica turva o horizonte dos teus governantes!
HERÓDOTO: (Vulto falando, ou sabe-se lá...): Os políticos do teu país
teimam em renegar a História. Não atinam com os registros de Plutarco
sobre a Atenas de 594 a.C. e o bom senso de Sólon que abortou a revolução.
Nem com o exemplo dos irmãos Gracco na antiga Roma. Não aprenderam com os
ingleses a forma de enriquecer a sociedade como um todo pela simples
imposição de taxar as propriedades dos nobres obrigando-os a dividi-las.
Nem assimilaram dos norte-americanos princípios básicos de prosperidade
geral: distribuir a terra, fazê-la produzir, nela permanecer, depois
enriquecer.
DEFUNTO (Elucubrando): Dante me aconselhou a não
contestar os grandes vultos. Nem é preciso! São irretocáveis! A situação
fundiária no país permanece feudal. Só grandes senhores, usineiros,
políticos, empreiteiros, reizinhos desse ou daquele cereal, desse ou
daquele mineral, dessa ou daquela concessão pública conseguem ingressos
para o teatro da terra. Peões, aldeões, retirantes, boias-frias,
usucapiões, posseiros, legítimos agricultores socializam a peja de
penetras, invasores, desordeiros e comunistas. Há algo que acrescentar?
Somente defuntos percebem essas comunidades penumbrosas? Ninguém vê o
inchaço das massas migratórias urbano-marginais fermentadas pela sociedade
elitista dos políticos? Milhões de desempregados fingindo viver? Pois bem,
antevejo tornados sociais partindo das favelas urbanas para o campo e
vice-versa. Remoinhos de desordem geral. Ônibus incendiados, caixas
eletrônicos de bancos explodindo, assaltos e mais assaltos por minuto. E,
pior, os justiçamentos emergindo da memória da terra, com excluídos
rezando litanias passíveis de violentas mutações num teatro excepcional.
Todos sabem que incontáveis reformas agrárias, educacionais,
previdenciárias, tributárias, institucionais, penais e o escambau foram
realizadas em palanques, discursos, ministérios, corredores, gabinetes,
elevadores, projetos, pranchetas, disquetes, CDs, DVDs, Softwares, chips,
Pen Drivers, aplicativos virtuais ou Plataformas logarítmicas. Algumas
daquelas reformas pululam em gavetas, armários, dossiês, arquivos,
enquanto outras já foram devoradas por cupins, vermes, ratos, “laranjas”
ou “tubarões” de vários preços e tamanhos. Outras mais encalharam para
sempre nos regimentos internos das comissões encarregadas dos projetos no
Congresso.
MOZART (Vulto falando, ou sabe-se lá...): “Se existe
alguém aqui a quem não insultei, peço-lhe perdão.”
Extraído do livro "HISTÓRIAS TIPO ASSIM: WHATS-au-au-APP",
selo IMPRIMATUR, Ed. 7Letras.